terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O CONCEITO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO PENSAMENTO CRISTÃO DA CONTEMPORANEIDADE

 

Palavras-chave: Filosofia do Direito. Justiça distributiva. Cristianismo.


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar a posição de destaque assumida pela justiça distributiva no século vinte e um, tendo sido tal evento influenciado pelo pensamento social da Igreja Católica, o qual se encontra em diversas encíclicas. Inicialmente há que se considerar a alteração sofrida no conceito de justiça distributiva ao longo do pensamento jusfilosófico. Inicialmente justiça distributiva significava distribuir vantagens política a cada indivíduo de acordo com o seu mérito. Atualmente, justiça distributiva significa dar a cada um de acordo com sua necessidade, sem se levar em consideração o mérito deste indivíduo. Deste modo, o presente artigo tem como objetivo analisar a importância das encíclicas papais e sua influência na definição da noção atual de justiça distributiva.


1 O CONCEITO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO PENSAMENTO CRISTÃO


A definição de justiça distributiva no pensamento aristotélico-tomista ganha importância nos últimos séculos com o advento das encíclicas sociais da Igreja Católica. Considera-se a Encíclica Rerum Novarum[3] do Papa Leão XIII como a primeira encíclica a tratar da questão da justiça distributiva. Inicialmente, a Rerum Novarum salienta a expressiva diferença entre os homens e os animais, afirmando que:

Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua atividade sempre viva e lhes desenvolve as forças; por outro, provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. (LEÃO XIII, 1891).

De outro lado, seriam incapazes de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objeto particular que os sentidos percebem, o que é muito diferente da natureza humana. Inicialmente, no homem reside, em sua perfeição, toda a virtude da natureza sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objetos físicos e corpóreos. Todavia, a vida sensitiva mesmo que possuída em toda a sua plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é-lhe muito inferior e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de fazer uso das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido. (LEÃO XIII, 1891). Uma consideração mais profunda se faz em relação ao fato de o homem poder usar e dominar os produtos da terra.
Atacando ferozmente o comunismo, salientando não haver lutas de classes, mas sim, concórdia de classes, abordando diversos temas relacionados ao trabalhador e à sua dignidade, como as obrigações dos operários e dos patrões, o Estado, as associações operárias, a Rerum Novarum traz, ao abordar a origem da prosperidade nacional, uma definição de justiça distributiva.
A definição é construída a partir da discussão sobre a prosperidade nacional, trazendo a encíclica que os costumes puros, as famílias fundadas sobre bases de ordem e moralidade, a prática e o respeito à justiça, uma imposição moderada e uma repartição equitativa dos encargos públicos, tornam uma nação próspera. Podendo, o Estado, por todos estes meios, tornar-se útil às outras classes, assim também podendo melhorar sobremaneira a sorte da classe operária, “e isto em todo o rigor do seu direito, e sem ter a temer a censura de ingerência; porque, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deve servir o interesse comum”. (LEÃO XIII, 1891). Quanto mais aumentarem as vantagens decorrentes desta ação, menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição dos trabalhadores.
Portanto, sendo insensato prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Caso não o faça, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido. Assim, a Rerum Novarum traz que:

A esse respeito Santo Tomás diz muito sabiamente: «Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao todo pertence de alguma sorte a cada parte». E por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina lodos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva. (LEÃO XIII, 1891).

Todos os homens devem contribuir para a massa dos bens comuns, o que, por um giro natural, repartirá novamente entre os indivíduos, mas as constituições respectivas devem ser diferentes. Haverá sempre entre os cidadãos desigualdades de condições, sem as quais uma sociedade não pode existir nem conceber-se. A equidade manda, pois, que o Estado se preocupe com os trabalhadores, e proceda de modo que, de todos os bens que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações. De onde resulta que o Estado deve favorecer tudo o que pareça de natureza a melhorar-lhes a sorte. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á, ao contrário, em proveito de todos, pois importa soberanamente à nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria. (LEÃO XIII, 1891).
Posteriormente à Rerum Novarum, a Encíclica Quadragésimo Anno[4] de 1931 de Pio XI, a qual já no início ao se referir à Encíclica Rerum Novarum, traz em relação à questão da desigualdade na sociedade:

Com efeito ao fim do século XIX, em consequência de um novo gênero de economia, que se ia formando, e dos grandes progressos da indústria em muitas nações, aparecia a sociedade cada vez mais dividida em duas classes: da quais uma, pequena em número, gozava de quase todas as comodidades que as invenções modernas fornecem em abundância; ao passo que a outra, composta de uma multidão imensa de operário, a gemer na mais calamitosa miséria, debalde se esforçava por sair da penúria, em que se debatia. (PIO XI, 1931).

Analisando os resultados da Encíclia Rerum Novarum, denominada por Magna Charta dos Operários, a Carta Encíclica Quadragesimo Anno do Papa Pio XI, datada de 1931, em relação à ação da autoridade civil, salienta que aos governantes compete defender toda a nação e os membros dela constituintes, “tendo sempre cuidado especial dos fracos e deserdados da fortuna ao proteger os direitos dos particulares. Porquanto a classe abastada, munida dos seus próprios recursos, carece menos do auxílio público”, (PIO XI, 1931), por outro lado, a classe indigente, menos abastada, desprovida de meios pessoais, esteia-se sobre tudo na função protetiva do Estado. Deste modo, deve o Estado prover aos operários, visto serem os mesmos da classe pobre. (PIO XI, 1931). Assim, Pio XI salienta que:

Deste contínuo e indefeso trabalho nasceu aquela jurisprudência completamente desconhecida dos séculos passados, que se propõe a defender com ardor os sagrados direitos do operário, provenientes da sua dignidade de homem e de cristão: de fato estas leis protegem a alma, a saúde, as forças, a família, as casas; as oficinas, o salário, abrangem os acidentes de trabalho, numa palavra, tudo aquilo que interessa à classe trabalhadora, principalmente às mulheres e crianças. E se uma tal legislação não condiz de todo nem em toda a parte com as normas de Leão XIII, não se pode contudo negar haver nela muitas reminiscências da encíclica Rerum Novarum e que à mesma por conseguinte se deve atribuir em grande parte a melhorada condição dos operários. (PIO XI, 1931).

O ambiente social à época era de incrementação dos direitos sociais, tendo o capital por muito tempo se arrogado de direitos demasiados, reclamando para si todos os produtos e lucros de sua produção, deixando ao operário unicamente o bastante para restaurar e reproduzir as forças. Tal possibilidade de enriquecimento era falaciosamente defendida pelas leis da economia, leis essas que possibilitavam aos patrões a renda e que condenavam e acorrentavam os trabalhadores à pobreza.
O mundo passava por uma fase de incertezas, o fim da Primeira Grande Guerra demonstrou ao mundo o poderio sombrio de um capitalismo que sufocava a sociedade, um número considerável de pessoas passavam por sérias dificuldades financeiras, desigualdade social e a mais horrenda pobreza material. A Rerum Novarum constitui assim um marco na humanização de leis trabalhistas em todo o mundo, originando positivações de direitos laborais de grande importância nos dias atuais, pois aos governantes compete defender toda a nação e os membros que vivem na mesma, tendo sempre cuidado com os fracos e deserdados da fortuna. (PIO XI, 1931).
Assim, ao prevenir os trabalhadores desses falsos princípios, as palavras de Leão XIII são recordadas por Pio XI: “de qualquer modo que seja distribuída entre os particulares, não cessa a terra de servir à utilidade pública.” (PIO XI, 1931). A própria natureza exige a repartição dos bens em domínios particulares, precisamente com o objetivo de poderem as coisas criadas servir ao bem comum de modo ordenado e constante. Mas também é salientado que “nem toda a distribuição dos bens ou riquezas entre os homens é apta para obter totalmente ou com a devida perfeição o fim estabelecido por Deus.” (PIO XI, 1931).
Não se conseguindo repartir de modo satisfatório as riquezas, então deve-se preservar a utilidade comum alegada por Leão XIII, não se prejudicando o bem geral da sociedade. Portanto, uma classe não pode ser excluída da participação dos lucros, não sendo justo que ricos embolsem tudo e os pobres nada, não podendo uma classe reclamar para si todos os direitos. Mesmo que alguém não trabalhe, deverá receber sua parte na distribuição, não se podendo considerar o trabalho como o único título para se receber o sustento ou perceber rendimentos.
Esforços devem ser envidados para que a riqueza seja acumulada em justa proporção nas mãos dos ricos, mas que também seja distribuída pelos operários, “não para que estes se dêem ao ócio, - já que o homem nasceu para trabalhar como a ave para voar, - mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus haveres, aumentados e bem administrados provejam aos encargos da família”, (PIO XI, 1931), mas que deixem também alguma coisa, após a morte, aos que lhes sobreviverem. Tais postulados de distribuição são insinuados na Rerum Novarum e mantidos pela Quadragesimo Anno. Outro aspecto importante em relação à distribuição a ser ressaltado na Quadragesimo Anno refere-se ao fato de que:

Primeiro ao operário deve dar-se remuneração que baste para o sustento seu e da família. É justo que toda a mais família, na medida das suas forças, contribua para o seu mantimento, como vemos que fazem as famílias dos lavradores, e também muitas de artistas e pequenos negociantes. Mas é uma iniquidade abusar da idade infantil ou da fraqueza feminina. (PIO XI, 1931).

Deste modo, deve-se buscar que os pais de família recebam uma paga bastante a cobrir as despesas ordinárias da casa, servindo a grandeza do salário à economia pública, não devendo haver salários desproporcionais, sob pena de gerar desemprego, colocando em risco a estabilidade da ordem pública.
Após a Encíclica Quadragesimo Anno, Pio XI apresenta ao mundo outra encíclica, a Divini Redemptoris, de 1937, a qual aborda especificamente a situação do comunismo ateu no mundo. Nesta encíclica Pio XI salienta que a sociedade humana somente poderá ser salva daquilo que ele considera ruína funesta, o princípio do liberalismo, princípios esses alheios à moralidade, quando os preceitos da justiça social e da caridade cristã impregnarem e penetrarem na ordem econômica e o organização civil. (PIO XI, 1937). Em relação à caridade cristã, Pio XI traz que:

[...] quando vemos de um lado uma multidão de indigentes que, por várias causas alheias à sua vontade, estão verdadeiramente oprimidos pela miséria, e do outro lado, junto deles, tantos que se divertem inconsideradamente e esbanjam enormes somas em futilidades, não podemos deixar de reconhecer com dor que não é bem observada a justiça, mas que nem sempre se aprofundou suficientemente o preceito da caridade cristã nem se vive conforme a ele na prática cotidiana. (PIO XI, 1937).

A verdadeira caridade deve observar à justiça, em relação à justiça social, Pio XI afirma que a mesma impõe deveres a que nem patrões nem operários podem furtar, sendo próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum. Todavia:

[...] assim como no organismo vivo não se provê ao todo, se não se dá a cada parte e a cada membro tudo quanto necessitam para exercerem as suas funções; assim também se não pode prover ao organismo social e ao bem de toda a sociedade, se não se dá a cada parte e a cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo quanto necessitam para desempenharem as suas funções sociais. O cumprimento dos deveres da justiça social terá como fruto uma intensa atividade de toda a vida econômica, desenvolvida na tranqüilidade e na ordem, e se mostrará assim a saúde do corpo social, do mesmo modo que a saúde do corpo humano se reconhece pela atividade inalterada, e ao mesmo tempo plena e frutuosa, de todo o organismo. (PIO XI, 1937).

Para a sustentação da justiça social, Pio XI afirma ser fundamental a garantia de um salário que mantenha ao mesmo e toda sua família, prevenindo a pobreza, garantindo o acesso a seguros públicos e privados, sob pena de não se concretizando tais condições não haver que se falar em realização da justiça.
Há que se destacar também a Carta Encíclica Mater et Magistra de João XXIII, datada de 1961, a qual tratou da evolução da questão social à luz da doutrina cristã. Dentre os diversos aspectos analisados pela Mater et Magistra, destaca-se a questão da remuneração do trabalho, a qual é presenciada em diversas nações e continentes inteiros, onde os trabalhadores “recebem um salário que os submete, a eles e às famílias, a condições de vida infra-humanas”. (JOÃO XXII, 1961). Todavia, em alguns desses países, há o contraste entre a abundância e o luxo desenfreado de uns poucos privilegiados e as condições de mal-estar extremo da maioria, havendo também outras nações gastando somas consideráveis com armamentos, ou na tentativa de se reforçar ou manter um mal-entendido prestígio nacional. Além do fato de que:

[...] nos países economicamente desenvolvidos, não é raro que para ofícios pouco absorventes ou de valor discutível, se estabeleçam distribuições ingentes, enquanto que as correspondentes ao trabalho assíduo e profícuo de categorias inteiras de cidadãos honestos e operosos são demasiado reduzidas, insuficientes ou, pelo menos, desproporcionadas com a ajuda que eles prestam à comunidade, ou com o rendimento da respectiva empresa, ou com o rendimento total da economia da nação. (JOÃO XXIII, 1961).

Destarte, é imperiosa uma retribuição do trabalho de acordo com a justiça e a equidade, sendo necessário um salário que dê ao trabalhador um nível de vida verdadeiramente humano e que lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares.
No ano de 1991, o Papa João Paulo II apresenta a Encíclica Centesimus Annus, na qual nos moldes da doutrina social da igreja, faz uma análise do centenário da Rerum Novarum, condenando todos os tipos de totalitarismos existentes no mundo de então. Salientando a situação do mundo às vésperas do século dezenove, época na qual foi escrita a Rerum Novarum, João Paulo II realçou o processo histórico pelo qual passava o mundo, um conjunto de mudanças radicais verificadas no campo político, econômico e social, resultando numa nova concepção de sociedade e de Estado, consequentemente, de autoridade, sendo dissolvida a sociedade tradicional, e iniciando outra, confiante nas novas liberdades. No século dezenove culminou uma nova forma de propriedade, o capital, e uma nova forma de trabalho, o assalariado, caracterizado por pesados ritmos de produção, sem horário nem qualquer atenção ao sexo, idade ou situação familiar, determinado pela eficiência e tendente ao lucro.
Deste modo, o trabalho tornou-se uma mercadoria que podia ser livremente comprada e vendida no mercado, tendo seu preço determinado pela lei da oferta e da procura, sem se ater ao mínimo necessário para o sustento vital da pessoa e de sua família. Tal transformação operou uma divisão da sociedade em duas classes, operadas por um abismo profundo. Neste ambiente, ressalta a Centesimus Annus, “quando aparecia já em plena luz a gravíssima injustiça da realidade social, presente em muitas situações [...], Leão XIII intervém com um Documento, que afrontava de maneira orgânica a questão operária”. (JOÃO PAULO II, 1991).
Analisando o mundo cem anos após a Rerum Novarum, são destacados na encíclica de João Paulo II os acontecimentos do século vinte que marcaram a história da humanidade, especificamente, a Segunda Guerra Mundial e o surgimento e declínio de regimes totalitários, principalmente na Europa. Tendo se difundido, após a Segunda Guerra, um sentimento mais vivo dos direitos humanos, que foi reconhecido em diversos documentos internacionais, originando um novo “direito dos povos” por intermédio da Organização das Nações Unidas.
Em relação à situação de desigualdade social da atual sociedade, João Paulo analisando os excluídos, salienta que:

Muitos outros, embora não estando totalmente marginalizados, vivem inseridos em ambientes onde a luta pelo necessário é absolutamente primária, e vigoram ainda as regras do capitalismo original, na «crueldade» de uma situação que nada fica a dever à dos momentos mais negros da primeira fase da industrialização. (JOÃO PAULO II, 1991).

Vivendo em tal situação a maioria dos habitantes do Terceiro Mundo, sendo estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por ela oprimidos.

Além disso, é necessário que estes homens carenciados sejam ajudados a adquirir os conhecimentos, a entrar no círculo de relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor valorizar as suas capacidades e recursos. Ainda antes da lógica da comercialização dos valores equivalentes e das formas de justiça, que lhe são próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade. Esse algo que é devido comporta inseparavelmente a possibilidade de sobreviver e de dar um contributo ativo para o bem comum da humanidade. (JOÃO PAULO II, 1991).

Em relação ao valor da democracia, somente é possível concretizá-la num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana, devendo ser verificadas as condições necessárias à promoção, seja dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, seja da subjetividade da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade.
Com a queda do totalitarismo comunista de outros regimes totalitários e de segurança nacional, o mundo vive atualmente o ideal democrático concatenado com a preocupação com os direitos humanos. Assim sendo, “é necessário que os povos, que estão reformando os seus regimes, dêem à democracia um autêntico e sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito dos referidos direitos”. (JOÃO PAULO II, 1991). Dentre tais direitos, salientem-se: o direito à vida, o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares.
Todavia, nos países onde vigoram formas de governo democrático, nem sempre estes direitos são totalmente respeitados. Tratando-se de diversos aspectos de uma crise dos sistemas democráticos, que às vezes parecem ter perdido a capacidade de decidir segundo o bem comum. As questões levantadas pela sociedade não são examinadas à luz dos critérios de justiça e moralidade, mas antes na base da força eleitoral ou financeira dos grupos que as apóiam. Semelhantes desvios da prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e consequentemente diminuição da participação política e do espírito cívico da população, que se sente prejudicada e desiludida.
Resultado disso é a crescente incapacidade de enquadrar os interesses particulares numa coerente visão do bem comum. Tal bem não é efetivamente a mera soma dos interesses particulares, mas implica a sua avaliação e composição feita com base numa equilibrada hierarquia de valores e, em última análise, numa correta compreensão da dignidade e dos direitos da pessoa. (JOÃO PAULO II, 1991).
Assim, já no século vinte e um, percebe-se que, mesmo com um postulado de defesa da dignidade e dos direitos da pessoa humana protegidos pelo pensamento social da Igreja Católcia, ainda há muito por se fazer na construção de uma sociedade mais justa, onde justiça distributiva se defina no seu conceito moderno.

CONCLUSÃO


Com um breve esboço acerca da noção de justiça distributiva no pensamento cristão contemporâneo, demonstra-se o importante papel das mesmas na construção do conceito moderno de justiça distributiva, principalmente no que se refere à inclusão dos necessitados como merecedores de prestações estatais, solidificando o aspecto necessidade como balizador da distribuição de bens por parte do Estado. Depreende-se da observação desses documentos a preocupação com o elemento humano na distribuição de bens e oportunidades por parte da sociedade como um todo, transferindo integralmente o foco da distribuição dos méritos para a necessidade humana, tendo em vista a realidade em que vive o mundo contemporâneo, mundo esse onde impera injustiça e desigualdade social em diversos aspectos, o que somente se modificará por intermédio de medidas políticas, culturais e sociais efetivas de respeito à dignidade da pessoa humana e em concordância com os postulados do princípio da solidariedade humana.


REFERÊNCIAS



ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

JOÃO PAULO II. Encíclica Centesimus annus. 1991. Disponível em . Acesso em 25 mar. 2009.

JOÃO XXIII. Encíclica Mater et magistra. 1961. Disponível em . Acesso em 16 mar. 2009.

LEÃO XIII. Encíclica Rerum novarum. 1891. Disponível em . Acesso em 15 mar. 2009.

MARITAIN, Jacques. Introdução geral à filosofia. 6. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1963.

PIO XI. Encíclica Divini redemptoris. 1937. Disponível em . Acesso em 21 mar. 2009.
PIO XI. Encíclica Quadragesimo anno. 1931. Disponível em . Acesso em 10 mar. 2009.


[1] Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho; Professor no Curso de Direito da Faculdade Asa; Advogado.
[2] Mestranda em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[3] Em latim Rerum Novarum significa "Das Coisas Novas".
[4] O nome se deve ao fato de essa encíclica abordar os quarenta anos da Encíclica Rerum Novarum, apresentada no ano de 1891 pelo Papa Leão XIII. A Rerum Novarum é considerada por Pio XI a Magna Charta dos operários, prevendo diversas alterações no campo social.