quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

John Rawls e a Justiça: em busca de um conceito

JUSTIÇA! Quantas vezes ouvimos esta palavra em nosso dia-a-dia? Muitas! Ouvimos também que o Direito é a ciência que tem por objetivo a persercução da justiça, do justo.

Numa concepção moderna, fruto dos estudos de Miguel Reale, o Direito é definido como fato, norma e valor, dando assim contornos à sua Teoria Tridimensional do Direito; não há grandes problemas em defini-lo.

Todavia, difícil é definir o significado de justiça: Sócrates a define como a verdade; Ulpiano escreve na capa de seu Digesto que justiça é a constante e perpétua vontade dar a cada um aquilo que é seu; Aristóteles a compara à “régua de Lesbos”, régua essa que se encaixa em qualquer estrutura, superfície, assim justiça é algo que se encaixa em qualquer lugar, e em qualquer situação, ela é “perfeita”; para Jesus Cristo, a justiça deve ser entendida através da “regra de ouro”, ou seja, fazer ao próximo aquilo que gostaria que fizesse a si mesmo, “amai-vos uns aos outros”; para Kant justiça é um imperativo categórico, ou seja, devemos fazer com que aquilo que acreditamos como justo se transforme numa máxima universal; Hans Kelsen define justiça como aquilo que está positivado no direito, a Teoria Pura do Direito; teoria que gerou e ainda gera muitos debates; para Ruy Barbosa justiça é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas diferenças; para citar algumas definições dentre muitas.

Compreendemos assim, um enorme esforço intelectual para se definir justiça. A história da humanidade nos apresenta tentativas frutíferas e infrutíferas, todas elas, porém, válidas para a construção da doutrina e do conceito de Direito e de justiça.

Modernamente, uma das teorias mais produtivas é a de John Rawls, compiladas em sua obra de 1971, A Theory of Justice, traduzida para o vernáculo como “Uma Teoria da Justiça”.

Apresentado sucintamente o professor norte-americano John Rawls, esclarecemos que o mesmo é sucessor ideológico do filosófo inglês John Locke, seu pensamento provoca reflexos em todos os segmentos da sociedade atual, como a estipulação de cotas para negros nas universidades brasileiras, o que está embasado em seu princípio da igualdade. Para Rawls, a justiça se realiza institucionalmente, e não individualmente, idéia semelhante à concepção ética do filósofo alemão Jürgen Habermas.

Rawls desde jovem se preocupou com as questões sociais, tal interesse começa devido ao envolvimento de sua mãe com o movimento feminista e em decorrência da relação de desigualdade social vivenciada entre brancos e negros em sua cidade natal, Baltimore.

Seu pensamento aborda, fundamentalmente, os temas: justiça, legitimidade e democracia; interessa-nos abordar, por ora, seu conceito de justiça. Sua teoria, calcada em idéias contratualistas, é sustentada sobre dois princípios: o princípio da “igualdade” e o da “diferença”.

A igualdade é observada no início do pacto: as partes, originariamente, encontram-se em posição de igualdade e podem escolher seus direitos e deveres, ou seja, podem criar uma história diretiva, há aí semelhança com a teoria rousseauniana do Contrato Social: as partes estipulam as regras para um pacto de justiça.

Após essa primeira fase, há a prevalência do princípio da diferença, para que os pactuantes recebam o benefício da justiça de acordo com suas igualdades e diferenças, tal princípio garantirá a materialidade da justiça contra quaisquer mudanças sociais ou desigualdades que possam surgir.

É importante salientarmos, também, que a obra de Rawls recebeu inúmeras críticas. Entretanto, John Rawls não deixa de ser um dos maiores teóricos da justiça do século vinte, ou o melhor de todos, como defendem muitos doutrinadores e filósofos do direito.

Habermas afirma que a obra de Rawls reabilitou questões morais reprimidas há muito e apresentou-as como objeto de pesquisas sérias; o filósofo político Robert Nozick nos diz: “os filósofos políticos precisam agora trabalhar dentro da teoria de Rawls ou explicar por que não o fazem”.

A maioria dos modernos não aceita o fato de essa repartição não ser calcada no mérito, para esses críticos a desproporcionalidade de rendimentos, prestígio, é justificada, ou seja, quem trabalha mais, estuda mais, terá mais méritos. Todavia, Rawls apresenta um outro tipo de igualdade, contestando que tal desproporcionalidade só seria justa se num primeiro momento houvesse igualdade de chances de acesso a tais méritos.

Como podemos aceitar como justo a vida de uma pessoa nascida numa família estruturada, com todo o conforto que a situação econômica favorável pode lhe trazer, e outra em situação oposta, uma pessoa que assistiu, desde sua infância, a todos os atentados contra sua moral? Como cobrar dela uma vida “mais” frutífera? Para Rawls, esse é o nó górdio sobre a justiça distributiva: há uma atenção especial a favor dos desfavorecidos, dos “párias sociais”, o que, efetivamente, não acontece em nossa sociedade atual.

Sua fundamentação de justiça visa à melhoria das relações entre os homens, saindo de um modelo excludente para um modelo igualitário liberal, não há a intromissão do Estado, este não pode em todos os momentos “regular” as relações sociais, o compromisso deve surgir entre os próprios homens, por intermédio de relações democráticas e discursivas.

Concluindo, afirmamos que o Direito moderno busca justificação em sua “genitora”: a Filosofia Jurídica; disciplina tão desprestigiada em vista da evolução de um Direito positivo calcado no primado da lei sem contestações, usado a favor dos opressores, justificador de mazelas e atrocidades.

A discussão filosófica é criadora e com ela buscamos a evolução do Direito e da sociedade justa. Se não atentarmos para essa busca, assistiremos ao primado do desrespeito e das injustiças, se é que também conseguiremos definir o que seja INJUSTIÇA!

* Artigo publicado no Jornal Estado de Minas - Caderno Direito e Justiça