terça-feira, 31 de agosto de 2010

PENSAR A JUSTIÇA NO SÉCULO VINTE E UM: um breve estudo sobre os pensamentos de Aristóteles e de Rawls sobre a justiça e sua aplicabilidade no Estado Democrático de Direito.

RESUMO

Objetiva-se, por intermédio do presente artigo, discorrer sobre a justiça no século vinte e um, mais precisamente sobre a justiça no Estado Democrático de Direito e a realidade do Brasil, através de um contraponto entre as teorias de Aristóteles e de Rawls.
Abordar-se-á a clássica definição de justiça distributiva de Aristóteles, a teoria da justiça como eqüidade de John Rawls, o conceito de justiça no Estado Democrático de Direito, em paralelo com a realidade brasileira, para que ao final, seja possível chegar a uma definição sobre o modelo de justiça que se encaixaria e seria mais viável em nossa sociedade, tendo em vista os caracteres da realidade social do Brasil.

PALAVRAS CHAVES

JUSTIÇA; IGUALDADE; ESTADO DEMOCÁTICO DE DIREITO.


INTRODUÇÃO


Vivemos numa sociedade onde a justiça tem sido cada vez mais almejada e discutida, porém o homem muitas vezes, realmente, perde a esperança na sua conquista, e perder a esperança na justiça é desistir de um elemento inato ao homem e balizador de toda a sociedade.
Desigualdade social, pobreza, fome de um lado, enquanto de um outro, riqueza; luxúria; concepções diferentes de justo. A sociedade atual é uma sociedade pluralista, não conseguimos, atualmente, descrever substancialmente o que seja o bem, o justo, porém todos objetivamos e clamamos pelo mesmo.
Gisele Cittadino aborda em sua obra, Pluralismo, direito e justiça distributiva, tal assunto, ao afirmar que:

O pluralismo, entretanto, possui, pelo menos, duas significações distintas: ou o utilizamos para descrever a diversidade de concepções individuais acerca da vida digna ou para assinalar a multiplicidade de identidades sociais, específicas culturalmente e únicas do ponto de vista histórico. (CITTADINO, 2000, p. 1)

O primeiro significado, a diversidade de concepções individuais, é representado pelos pensadores liberais, como John Rawls, Ronald Dworkin e Charles Larmore. Estes afirmam que as democracias atuais são sociedades onde concorrem diferentes noções acerca daquilo que é o bem, o justo, e não há primazia de uma concepção sobre a outra.
Já a corrente comunitarista defende a segunda noção de pluralismo, afirmando a multiplicidade de identidades sociais, porém únicas do ponto de vista histórico, conforme Cittadino. Essa corrente tem como representantes mais importantes os filósofos Charles Taylor, Michael Walzer e Alasdair MacIntyre.
Grosso modo, poderíamos afirmar que os liberais defendem uma autonomia privada do sujeito, enquanto que os comunitários defendem uma autonomia pública. Todavia, não adentraremos, profundamente, no debate entre comunitários e liberais, por não ser este o objetivo central do presente artigo, o que não caberia nessas rápidas linhas.
A referência, porém, é importante para já projetarmos uma posição acerca da justiça no atual Estado Democrático de Direito, precisamente, no caso brasileiro, sociedade marcada pelo pluralismo sócio-econômico-político, sociedade de riqueza e de pobreza, de guerra e de paz, como já dito alhures.
O professor Octávio Luiz Motta Ferraz traz:

A conhecida fábula de Esopo mostra uma formiga trabalhando arduamente durante o verão enquanto a cigarra canta. Chega o rigoroso inverno e a formiga tem mantimentos suficientes para seu sustento, enquanto a cigarra passa fome. Na versão original, a fábula termina com a lição moral de que é melhor se preparar para os dias de necessidade’, mas na filosofia política anglo-americana contemporânea ela tem sido usada de forma recorrente como uma alegoria do problema da justiça distributiva. (FERRAZ, 2007, p. 1).

Questionamentos sérios podem ser extraídos da fábula acima, como é de praxe acontecer nesse gênero. De um lado, podemos afirmar que a cigarra não tem o direito de se beneficiar do trabalho da formiga, pois enquanto a formiga trabalhava, a cigarra dormia e cantava. A cigarra não trabalhava arduamente, um trabalho manual, mas cantava para alegrar o ambiente e manter a ordem, pois enquanto alguns executam o trabalho manual, outros fazem o trabalho intelectual, artístico.
Se pensarmos ancorados no primeiro questionamento, afirmaremos que a cigarra não faz jus ao resultado dos bens oriundos do trabalho da formiga. Do contrário, se defendermos o segundo questionamento, diremos que deverá haver distribuição dos bens também para a cigarra, pois ela fazia seu trabalho, aparentemente, mais simples, cantar.
A questão da possibilidade de distribuição absoluta de bens, faz com que alguns se beneficiem dos outros, ou seja, enquanto alguns trabalham, outros esperam os resultados para a divisão. Essa interpretação, que Ronald Dworkin afirma ser de defendida pela “velha esquerda”, desacreditou muitos daqueles que nela confiavam.
Dworkin define o aspecto de igualdade não como aquele que prevê um tratamento idêntico em todas as situações, mas sim o fato de todas as pessoas serem tratadas como iguais.
Assim, é de se perguntar se é justo distribuir aquilo que é de cada um num mundo de desigualdade de oportunidades, de disparidades sociais, o que é dos pobres na atual sociedade? Podemos pensar que justiça distributiva, por esse ângulo, não passa de injustiça, principalmente, numa sociedade de desigualdade e de corrupção como a brasileira.
Trataremos a justiça distributiva na obra aristotélica, trazendo seu conceito aos dias atuais, numa sociedade complexa, de instituições culturais plurais e de anseios os mais diversos.
Após isso, discorreremos sobre a Teoria da Justiça de John Rawls, a justiça como eqüidade, um conceito de justiça das instituições.
Ao final, faremos uma explanação sobre o a justiça no Estado Democrático de Direito, precisamente sobre o prisma de nossa realidade brasileira, modelo marcado pelo pluralismo, visto ser o Estado Democrático de Direito um modelo onde os diversos ideais da sociedade concorrem em condições de igualdade.


2 – Uma conceituação clássica: o conceito de justo e de justiça distributiva em Aristóteles


Para compreendermos o conceito de justiça distributiva faz-se-á necessário uma busca na obra de Aristóteles, apesar de ter sua obra um pouco esquecida nos dias atuais, a mesma é útil e necessária para a compreensão do tema.
Antes disso, gostaríamos de salientar que a justiça distributiva não é fruto do pensamento do Estagirita, ela existe já nos ideais profetas. Porém, é Aristóteles quem a teoriza, enquanto o profetismo a defende e a busca através de seus escritos, o pensamento aristotélico a define em moldes teóricos.
Para isso, usaremos como referencial o Livro V de Ética a Nicômaco. Inicialmente abordaremos o conceito de justo e, posteriormente, a justiça distributiva em sua obra, já tendo como base o fato de Aristóteles considerar a justiça como o meio-termo, o que veremos especificamente mais à frente.
Aristóteles concebe o mundo de forma finalista, ou seja, as coisas existem sempre com um determinado fim, e o bem supremo a ser buscado pelo homem é a felicidade. E essa felicidade é alcançada através das virtudes, as quais são estudadas por Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco.
As virtudes são divididas, para Aristóteles, em dianoéticas (intelectuais) e éticas (morais), o meio para se alcançar as virtudes dianoéticas é o conhecimento, enquanto que o meio para se alcançar as virtudes éticas é o hábito, o agir, a prática.
A catalogação é importante, pois faz com que compreendamos a eticidade da justiça na obra do Estagirita. Para Aristóteles a justiça é a mais importante das virtudes éticas, todas as virtudes se resumem na justiça. Assim, a justiça não é parte da virtude, mas sim toda a virtude.
Aristóteles traz já no início do Livro V de Ética a Nicômaco um conceito de justiça ancorado na opinião geral:

Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto. (ARISTÓTELES, 2001, p. 103).

Percebemos que Aristóteles traz a concepção popular de justiça, porém ainda não entra em sua essência, não trazendo, ainda, uma definição do que seja justo e injusto, e, consequentemente, justiça e injustiça.
Mais à frente, ele continua afirmando que “o justo, portanto, é aquele que cumpre e respeita a lei e é probo, e o injusto é o homem sem lei e ímprobo” (ARISTÓTELES, p. 104).
Para Aristóteles é evidente que existe mais de um tipo de justiça, ele traz também o que conceito de justiça corretiva, que é aquela que prevê a igualdade nas transações entre um homem e outro. Porém, desta não trataremos no presente artigo, faremos a abordagem sobre a justiça distributiva, conforme mencionado alhures.
Aristóteles considera o justo como o meio-termo, o ponto intermediário, o justo é, então, o eqüitativo. A igualdade pressupõe dois elementos, assim, Aristóteles traz:

Portanto, o justo deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo (justo para certas pessoas, por exemplo); como intermediário, deve estar entre determinados extremos (o maior e o menor); como igual, envolve duas participações iguais; e, como justo, ele o é para certas pessoas. O justo, portanto, envolve no mínimo quatro termos, pois duas são as pessoas para quem ele é de fato justo, e também duas são as coisas em que se manifesta – os objetos distribuídos. (ARISTÓTELES, 2002, p. 103).

Aristóteles diz que as pessoas não são iguais, deste modo, não receberão coisas iguais, o que ocasiona reclamações, afirmando que as distribuições devem ser feitas “de acordo com o mérito de cada um”. (ARISTÓTELES, 2002, p. 109). E conclui: “assim, o justo é proporcional, e o injusto é o que viola a proporção”. (ARISTÓTELES, 2002, p. 110).
Aqui está o problema da aplicação do modelo de justiça distributiva em nossa sociedade: distribuir o que é de cada um, ou seja, o mérito de cada um. Para fundamentarmos isso, basta que observemos, detalhadamente, os índices sociais de nosso país, para que possamos concluir que tal distribuição se faz, extremamente, injusta.
Como distribuir de acordo com os méritos de cada um, numa sociedade, que conviveu até o ano de 1888 com a escravidão, quando os negros viviam para produzir riquezas e bens para os brancos?
Distribuir de acordo com os méritos torna-se injusto numa sociedade onde quem tem o privilégio de possuir um bom plano de saúde pode se socorrer de profissionais da área médica de imediato, enquanto que aqueles que não possuem, ficam durante toda a madrugada esperando para poder ser atendidos nos hospitais públicos.
Obviamente que esses são apenas alguns exemplos de desigualdade social em nosso país, se fôssemos citar todos, talvez não caberiam nessas páginas. O exemplo foi trazido à colação para demonstrar que a justiça distributiva nos moldes aristotélicos não possui meios para se efetivar em nossa atual realidade.


3 – A justiça no pensamento de John Rawls: justice as fairness


No ano de 1971, John Rawls escreve sua obra A theory of justice, traduzida para o português como Uma teoria da justiça, a obra, em pouco tempo, causa furor e reacende os estudos sobre a justiça na sociedade ocidental. Este impacto é apresentado pelo filósofo Robert Nozick, em sua obra Anarchy, state, and utopia (Nozick, 1974, p. 183): “Os filósofos políticos precisam a partir de agora trabalhar no âmbito da teoria de Rawls ou explicar por que não o fazem”.
Já no início da obra, ainda em seu prefácio, Rawls apresenta o objetivo de seu modelo de justiça: atacar os aspectos utilitarista e intuicionista existentes nos vigentes conceitos de justiça de até então.

Muitas vezes parecemos forçados a escolher entre o utilitarismo e o intuicionismo. O mais provável é que no fim acabemos nos acomodando em uma variante do princípio da utilidade que é circunscrita e limitada no âmbito de certas formas ad hoc por restrições intuicionistas. Tal visão não é irracional e não há certeza de que possamos fazer coisa melhor. Mas isso não é motivo para que não tentemos. (RAWLS, 1971, Prefácio - p. XXII).
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Antes de apresentarmos o conceito de justiça como equidade de Rawls, fica a pergunta também já feita pelo Professor Luiz Paulo Rouanet:

Qual a grande novidade trazida por Rawls? Ele propunha, talvez pela primeira vez na história da filosofia, uma teoria que era ao mesmo tempo concreta. O que isso quer dizer? Uma teoria que previa também as condições para sua realização. Comparável aos grandes textos dos contratualistas, mormente ao Contrato Social, de Rousseau, não se limitava porém a uma constatação de uma situação de injustiça, ou a investigar suas causas. Propõe uma teoria cuja realização é possível. Trata-se daquilo que mais tarde o próprio Rawls denominará de realismo utópico. (ROUANET, 2002, p. 1).

Para Rawls são postulados para uma sociedade justa: a igualdade de oportunidade para todos e a distribuição dos benefícios deverá ser feita em benefício dos menos privilegiados, ou seja, os desvalidos serão amparados.
Assim, no primeiro momento, todos os membros desse contrato social se posicionam naquilo que Rawls denomina de “posição original”, e nessa posição original existem dois princípios de justiça, a qual ele assim define:

A primeira afirmação dos dois princípios é a seguinte: Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. (RAWLS, 2002, p. 64).

Assim, no primeiro momento, todos os membros desse contrato social se posicionam naquilo que Rawls denomina de “posição original”, e nessa posição original existem dois princípios de justiça, a qual ele assim define:



4 – A justiça na realidade da atual sociedade brasileira: o atual Estado Democrático de Direito: Aristóteles ou Rawls?


O Estado Democrático de Direito, ou paradigma do Estado Democrático de Direito, não é forma especial de Estado, mas sim uma junção de princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, conforme ensina o professor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:

Consideramos que a dimensão atual e marcante do Estado Constitucional Democrático de Direito resulta da articulação dos princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, cujo entrelaçamento técnico e harmonioso se dá pelas normas constitucionais. Para se chegar a essa conclusão, impõe-se perceber que a democracia, atualmente, mais do que forma de Estado e de governo, é um princípio consagrado nos modernos ordenamentos constitucionais como fonte de legitimação do exercício do poder, que tem origem no povo, daí o protótipo constitucional dos Estados Democráticos, ao se declarar que todo o poder emana do povo (por exemplo, cfr. parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição brasileira de 1988. (DIAS, 2003, p. 12).

Ademais, o Estado Democrático de Direito está sempre aberto a revisão, ele não está fechado em um modelo, não é uma estrutura acabada, nas palavras do Professor Mário Lúcio Quintão Soares:

O Estado Democrático de Direito distribui igualitariamente o poder e racionaliza-o, domesticando a violência, convertendo-se em império das leis no qual se organiza autonomamente a sociedade. Este tipo de Estado não é uma estrutura acabada, mas uma assunção instável, recalcitrante e, sobretudo, falível e revisável, cuja finalidade é realizar novamente o sistema de direitos nas circunstâncias mutáveis, ou seja, melhor interpretar o sistema de direito, para institucionalizá-lo mais adequadamente e para configurar o seu conteúdo mais radicalmente. (SOARES, 2001, p. 306)

Canotilho (1999) afirma que o Estado Democrático de Direito se alicerça sobre dos aspectos fundamentais: “o Estado limitado pelo Direito e o poder legitimado pelo povo”. Assim, o Estado Democrático de Direito é inclusivo, sendo composto de pessoas com o mesmo valor, nele todos os projetos de vida concorrem em igualdade para sua concretização, o ser humano no Estado Democrático de Direito não é um mero destinatário de normas, mas é também seu próprio autor.
Um dos alicerces do Estado Democrático de Direito é o Princípio Jurídico da Igualdade, sobre ele o Professor Marcelo Campos Galuppo traz:

O Princípio Jurídico da Igualdade pode ser entendido nesse contexto como um princípio que permite a maior inclusão possível dos cidadãos nos procedimentos públicos de justificação e aplicação das normas jurídicas e de gozo dos bens e políticas públicas. (GALUPPO, 2002, p. 22).

Habermas atualmente o principal expoente para a fundamentação do Estado Democrático de Direito, na obra Direito e democracia: entre faticidade e validade (1992), define o Estado Democrático de Direito, com sendo constituído pela conexão interna entre direito e política, formado por normas garantidoras de liberdades, e dotadas de legitimidade, normas que garantam, a cada pessoa, direitos iguais. Para a construção de um conceito de justiça no Estado Democrático de Direito todas as pessoas devem participar, discursivamente, expondo seus interesses, aspirações.

El derecho moderno viene formado por un sistema de normas coercitivas, positivas y – ésta es al menos su pretensión – garantizadoras de la libertad. Las propriedades formales que representan la coerción y la positividad se unen con la pretensión de legitimidad: la circunstancia de que las normas provistas de amenazas de sanción estatal provengan de las resoluciones cambiales de um legislador político, queda vinculada con la expectativa de que garanticen la autonomía a todas las personas jurídica por igual (HABERMAS, 1998, p. 645).

Habermas, por intermédio das obras Faktizität und Geltung (1992), Normalität einer berliner republik (1995) e Die Einbeziehung einer politischen theorie (1996) repensa o Estado de direito democrático, nos dizeres de Bárbara Freitag, na obra Dialogando com Jürgen Habermas (2005). Freitag faz uma observação sobre a importância da Teoria do Discurso em nossa realidade, na mesma obra citada:

Mas graças a uma institucionalização crescente dos direitos humanos, a de leis igualitárias para homens e mulheres, implementadas graças à luta cotidiana das mulheres, a realidade factual da discriminação vem se transformando numa realidade factual da equiparação em todos os campos e arenas sociais. Esse fato novo está se implementando, graças à existência de leis justas e igualitárias, discursivamente construídas. (FREITAG, 2005, p. 194).

Essa citação da autora, Barbara Freitag, conhecedora da obra de Habermas, ressalta a importância do pensamento de Habermas para o Estado Democrático de Direito, afirmando a importância de uma sociedade, Estado, construído sobre base discursiva, onde todos tenham a efetiva oportunidade de expor suas opiniões, anseios, resultando assim numa sociedade mais justa, legítima.
Com as passagens anteriores, já podemos afirmar que a justiça no Estado Democrático de Direito não é utilitarista, não devendo produzir efeitos positivos para o maior número de pessoas, ela deve sim, considerar a todas as pessoas indistintamente, não desprezando nenhum ser humano, produzindo efeitos para todos.
E a realidade brasileira? De acordo com dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Avançada divulgados no ano de 2005, o Brasil possui a segunda pior distribuição de renda do mundo, ficando na frente apenas de Serra Leoa, no continente africano.
Um por cento dos brasileiros mais ricos, ou seja, um milhão e setecentos mil pessoas possuem uma renda equivalente à da formada pelos cinqüenta por cento mais pobres, oitenta e seis vírgula cinco milhões de pessoas.
Deste modo, tornam-se necessárias mudanças estruturais e criação de mecanismos para contenção das disparidades sociais em nossa sociedade. Diversas iniciativas nesta seara estão sendo tomadas, haja vista os programas do governo federal de distribuição de rendas, de criação de cotas em universidades.
Grosso modo, podemos afirmar que tais iniciativas são necessárias para se estabelecer um equilíbrio inexistente em nossa sociedade. As disparidades sociais no Brasil não é novidade, mas algo que remonta há tempos em nossa história, basta voltarmos um pouco na mesma e atentarmos para a escravidão, como referido alhures, para os coronéis do nordeste do país, as favelas ao lado de bairros nobres.
Deste modo, afirmamos que o modelo rawlsiano é o indicado para que possamos construir uma sociedade mais justa. Salientamos que não jogamos por terra a justiça distributiva de Aristóteles, talvez ela até seja um modelo mais eficaz, porém, a mesma não conseguiria se efetivar em nossa sociedade de extrema desigualdade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Conflitamos, perfunctoriamente, dois modelos de justiça conhecidos por nossa sociedade: a justiça distributiva de Aristóteles e justiça como equidade de John Rawls. Uma elaborada há vários séculos, outra, fruto do século vinte, como alternativa ao utilitarismo a ao intuicionismo vigentes nas teorias existentes até então.
Diríamos que, uma teoria que não deve prevalecer numa sociedade como a atual, sociedade marcada pela corrupção, pelos interesses próprios, onde cada um olha para si e esquece que a sociedade é o meio onde o homem pode colocar em prática seus conhecimentos, habilidades.
Não afirmamos que a justiça distributiva aristotélica seja um modelo que não se enquadra nos moldes do justo, mas sim que a sociedade atual não está apta a positivá-la, visto ser uma sociedade de disparidade social e de corrupção arraigada ao longo de nossa história.
Justiça distributiva em nossa sociedade atual seria distribuição de injustiças, se não retirarmos as mazelas que corrompem essa mesma sociedade!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Justiça distributiva e aplicação do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1983.

BRÊTAS C. Dias, Ronaldo. Apontamentos sobre o estado democrático de direito. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, Belo Horizonte, a.2, n.1, agosto de 2003. Disponível em . Acesso em 19 set. 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Justiça distributiva para formigas e cigarras. Revista Novos Estudos - CEBRAP, São Paulo, n.77, março de 2007. Disponível em . Acesso em 27 set. 2007.

FREITAG, Barbara. Dialogando com Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005.

GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

HABERMAS, Jürgen. Factidad y validez. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Trotta, 1998.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

ROUANET, Luiz Paulo. Justiça como eqüidade: uma proposta brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política, 3, 2002, Niterói. Universidade Federal Fluminense.

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado – O substrato clássico e os novos paradigmas como pré-compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

sábado, 28 de agosto de 2010

O processo de impeachment e sua natureza jurídica

O impeachment, instituto de origem inglesa, está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente na CRFB/88 (nos seus artigos 85 e 86) e na Lei n.º 1.079 de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. O referido instituto tem por objetivo punir o Presidente da República quando o mesmo contrariar as funções e poderes que foram ao mesmo delegadas pelo povo por intermédio do voto, ou seja, quando praticar crime de responsabilidade.
Uadi Lammêgo Bulos (2009) define crimes de responsabilidade como “infrações político-administrativas atentatórias à Constituição, tipificadas na legislação federal”. Nesse sentido, o artigo 85 da CRFB/88 trata dos chamados crimes de responsabilidade, trazendo em seu texto que:


Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. (BRASIL, 2010).


Assim, cometida uma ou mais de uma das condutas elencadas no artigo 85, haverá o ensejo para que qualquer cidadão (brasileiro nato ou naturalizado no gozo de seus direitos políticos) apresente a denúncia ao Poder Legislativo. É importante analisar que o conhecimento de conduta irresponsável do Presidente da República pode se dar não somente por intermédio dos cidadãos, como também de representante dos outros poderes.
No que se refere ao seu procedimento, o impeachment se processa em duas fases: a 1ª fase (juízo de admissibilidade) ocorre na Câmara dos Deputados, a qual, caso admita a acusação contra o Presidente da República, por dois terços de seus membros, levará o Presidente da República a julgamento no Senado Federal em data posterior.
Após data marcada para julgamento, o Senado Federal, sendo presidido nesse ato pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (2ª fase), decidirá sobre o impeachment através de votação nominal de seus membros, conforme prevê o artigo 31 da Lei n.º 1.079 de 1950. Caso o Presidente da República seja condenado pelo voto de 2/3 dos membros do Senado Federal (maioria qualificada), ficará inabilitado por 8 anos para o exercício de função pública, conforme previsto no parágrafo único do artigo 52 da CRFB/88.
É de se ressaltar que, instaurado o processo no Senado Federal o Presidente da República ficará afastado de suas funções por 180 dias, conforme previsto no inciso II do parágrafo 1º do artigo 6º da CRFB/88, tal afastamento cessará, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo, caso decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não esteja concluído, conforme previsto no parágrafo 2º do mesmo artigo.



Natureza jurídica do impeachment



No que se refere à natureza jurídica do impeachment, a doutrina nacional tradicionalmente apresenta três correntes doutrinárias: 1) política: defendida por Paulo Brossard, Michel Temer e Carlos Maximiliano; 2) penal: sustentada por Pontes de Miranda (na obra Comentários à Constituição de 1946); e 3) mista: sustentada por José Frederico Marques (na obra Da competência em matéria penal).
De acordo com o entendimento jurisprudencial de parte do STF e da doutrina, o impeachment possui natureza político-administrativa, conforme julgamento de HC 69.647-3. Todavia há também entendimentos do próprio STF entendendo ter o impeachment natureza penal, conforme ADIn 834-0/MT e ADIn 1.628/SC.



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

De novo ao ar!

Prezados companheiros e amigos de discussões. Depois de um tempo "fora do ar", voltei. Assim vamos continuar nossos debates! Sejam todos bem-vindos novamente!