sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Comentários jurídicos sobre o filme "Com Mérito"

RESUMO

Tem-se como objetivo, por intermédio do presente trabalho, apresentar comentários jurídicos sobre o filme “Com Mérito” (With Honors) de 1994. Assim, o trabalho apresentará, inicialmente, a sinopse do filme. Após a apresentação da sinopse, passar-se-á aos comentários jurídicos em relação ao mesmo, levando-se em consideração serem os comentários observados de modo pessoal pelo autor do presente trabalho, estando os mesmos inseridos dentro da ótica dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Desigualdade social. Direitos Fundamentais. Reconhecimento.


1 SINOPSE DO FILME “COM MÉRITO”

O filme conta a história de Montgomery (Monty), um estudante de Harvard prestes a se formar em Administração Pública. Já ao término de seu trabalho de conclusão de curso, seu computador no qual estava o texto estraga, ficando Monty com apenas com uma cópia impressa de seu trabalho. Ao sair para tirar uma cópia de seu trabalho (por questão de segurança), Monty tropeça e o calhamaço cai no porão de um prédio. Nesse prédio está vivendo o mendigo Simon Wilder, o qual pega o trabalho de Monty e começa a fazer chantagens com o mesmo.
Simon promete entregar uma folha por dia de casa e comida. Assim, Monty e seus companheiros de república são obrigados a conviver com Simon diariamente. Com o tempo o relacionamento entre eles foi se transformando em amizade, todavia o mendigo está seriamente doente, o que o faz rever seus erros cometidos ao longo de sua vida: o mais sério desses erros foi o fato de ter abandonado sua família (esposa e filho) para trabalhar em um navio. Simon é um homem pobre e esquecido pela sociedade, porém consegue ensinar lições de vida aos estudantes de Harvard.

2 CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE O FILME “COM MÉRITO”

Inicialmente é necessário ressaltar que, cada leitor, cada ouvinte, cada espectador, possui um ângulo de visão, retirando suas próprias considerações sobre uma determinada obra. Isso não será diferente nessas breves linhas. Assistindo ao filme, algumas considerações basilares se fazem necessárias, basear-se-á, assim, em duas exposições: 1) a questão dos direitos fundamentais; 2) a luta pelo reconhecimento.

2.1 A questão dos direitos fundamentais

No que se refere aos direitos fundamentais, o filme apresenta questões éticas e jurídicas marcantes relacionadas aos mesmos: a questão do tratamento discriminatório em face a Simon Wilder, apesar de ser o mesmo uma pessoa de cultura geral razoável, leitor de Walt Whitman, poeta fundamental da literatura norte-americana; o descaso da sociedade em relação ao mesmo, dentre outras situações, umas explícitas, outras mais sutis.
Simon não possuía status social relevante, sendo morador de rua, assim deveria ser tratado como tal, não podendo entrar na biblioteca para estudar, por exemplo, (ou seja, vale-se pelo que tem, pelo status social que se possui). Todavia, essas são questões éticas, as quais poderiam ser tratadas com profundidade, porém, não é o que se propõe por intermédio do presente tratado, como afirmado, o trabalho se aterá às questões jurídicas.
Trazendo, nesses termos, a discussão para o direito positivo, especialmente para o direito pátrio, busca-se base legislativa para questionamento no inciso III do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual traz que:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

[...] (BRASIL, 2010, p. xvii).

O direito brasileiro, seguindo a esteira da Teoria dos Direitos Fundamentais, adota o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio basilar da República Federativa, na verdade, o princípio mais importante do ordenamento jurídico pátrio. Porém, o que é dignidade humana? Alguns afirmam que o princípio é muito genérico, abstrato, não possuindo solidez teórica e prática, afirmação essa com a qual não se pode concordar.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio aberto, em constante desenvolvimento, por intermédio do mesmo percebe-se que o homem é a base do Direito, devendo ser respeitado pelo simples fato de ser indivíduo, ser cidadão, e aqui não se está usando o termo “cidadão” no sentido dado ao mesmo pelo Direito Constitucional (cidadão como alguém detentor de direitos políticos, capacidade política ativa e/ou passiva), mas sim sob um sentido mais amplo, cidadão como todo aquele indivíduo detentor do direito de ser respeitado como pessoa, independentemente do status social, da renda mensal, do sobrenome, do saldo bancário.
Sob a ótica dos postulados do princípio da dignidade da pessoa humana todas as decisões jurídicas devem ser tomadas, todas as políticas sociais devem ser implantadas. A história tem mostrado que o desrespeito à dignidade humana é motivo da disseminação do ódio, da intolerância, da guerra, e a história não pode ser esquecida, a história deve ser refletida para que os erros não continuem a ocorrer, pois o presente é uma projeção do futuro, como afirma um dos postulados da História Nova francesa.
No mesmo sentido, a CRFB/88 também traz como objetivos do Estado brasileiro:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 2010, p. xvii, grifos nossos).

Dentre os objetivos estampados no artigo 3º, supracitado, destacam-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I); a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III); a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV).
São objetivos do Estado e a Constituição brasileira é uma Constituição dirigente, ou seja, há propostas futuras inseridas em suas normas, quer-se construir uma sociedade livre, justa e solidária, mas o que tem sido feito pelo Estado, o que tem sido feito pela sociedade (?), a construção da igualdade não é um projeto somente estatal, mas sim de toda a comunidade.

2.2 A luta pelo reconhecimento

Usando o título de uma obra do filósofo alemão Axel Honneth, “A luta pelo reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais”, passar-se-á à consideração sobre um segundo ponto visto extraído da história do filme em comento. Simon Wilder buscava o reconhecimento social. A partir do momento em que o mesmo propõe um “jogo/chantagem” com Monty (Montgomery) em troca das folhas de sua tese, isso fica perceptível (ele queria que Monty lhe desse atenção, não atenção material especificamente, ele buscava carinho, respeito). E o reconhecimento também é uma das facetas da dignidade humana, ser reconhecido como um ser humano, ser humano que possui direitos e quer perceber seu respeito por intermédio da sociedade. O reconhecimento é uma das bases da existência, ser reconhecido pelo outro.
O homem se une à sociedade para por ser um animal político por excelência, conforme salientou Aristóteles, ou como quis Thomas Hobbes, para se defender e sobreviver, pois o “homem é lobo do próprio homem”. O homem se une em sociedade para ser reconhecido, para ser notado, percebido, e isso não era diferente com a pessoa de Simon Wilder, o qual estava, a todo o momento, ser reconhecimento como ser humano digno, querendo recomeçar sua vida e viver com felicidade seus últimos momentos de vida.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

KESHISHIAN, Alek. Com mérito (With Honors). Estados Unidos: Warner Bros, 1994. 1 vídeo-disco (101 min): NTSC: son., color.