terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ACESSO À JUSTIÇA, DEFENSORIA PÚBLICA E A LEI 12.313/10

Geraldo Ataliba no artigo "Judiciário e minorias (1987)" salienta que, "na nossa sociedade tão deformada, involuída e subdesenvolvida, o Judiciário é mais importante do que nos países adiantados", sendo o acesso material, efetivo, ao Poder Judiciário um dos postulados do Estado democrático de direito, modelo instituído no país por intermédio da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Assim, não basta um acesso formal; deve haver um acesso efetivo, democrático, não somente para uma parcela da sociedade, mas sim para toda a sociedade, principalmente para os mais pobres, os quais visualizam, muitas vezes, no Poder Judiciário, a última chance para a concretização de um direito.
Aristóteles, na obra "A política", analisando os elementos necessários à existência do Estado, salienta serem os conselhos e tribunais indispensáveis a ele. Nesse sentido, trazendo para os dias atuais a velha observação de Ovídio: "O tribunal está fechado para os pobres", há que realçar o fato de que há acesso aos tribunais no Brasil, assim a máxima não é aplicável ao nosso caso, mas, de outro lado, há também o fato de os pobres ainda terem um acesso precário à Justiça, carecendo de recursos financeiros para contratar advogado, não sabendo, muitas vezes, nem mesmo como postular suas pretensões em juízo, a quem e como recorrer, havendo também um déficit de profissionais na defensoria pública brasileira.
Desse modo, a Defensoria Pública é uma das instituições democráticas de maior importância para a inclusão dos pobres no acesso ao Poder Judiciário. De acordo com o estudo "3º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil", elaborado pelo Ministério da Justiça em 2009, houve em 2003 um total de 4.523.771 atendimentos realizados pelas defensorias públicas no Brasil; em 2005 esse número passou para 6.565.616; no ano seguinte foram 6.477.930 atendimentos; em 2007, 8.086.880 atendimentos e, finalmente, em 2008, houve o total de 9.656.161 atendimentos realizados. Verifica-se, assim, que, num período de cinco anos, o número de atendimentos realizados quase dobrou. Isso demonstra a importância da atuação da instituição Defensoria Pública no Brasil, sendo ela de fundamental importância para a consolidação do primado da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Constituição.
Seguindo esse postulado, em 19 de agosto do ano passado foi publicada a Lei 12.313, a qual altera a Lei 7.210 (Lei de Execução Penal), prevendo a assistência jurídica ao preso dentro do presídio e atribuindo competências à Defensoria Pública. Entre as inovações trazidas pela referida lei, está a instituição de local apropriado ao atendimento dos defensores públicos em todos os estabelecimentos penais, tendo sido instituído também o conselho da comunidade, o qual será composto por, no mínimo, um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, um defensor público indicado pelo defensor público geral e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais, conforme previsto no texto da lei.
A instituição pela lei do Conselho da Comunidade demonstra o reconhecimento da importância da sociedade no cumprimento da pena, retirando do Estado, especificamente da estrutura prisional-punitiva, a integralidade da responsabilidade pela execução da pena e posterior retorno do condenado à sociedade depois do cumprimento dessa, convidando a comunidade a participar do trabalho de preparo do condenado ao retorno social. A responsabilidade pelo cumprimento da pena não é apenas do Estado, toda a comunidade deve participar de tal intento, favorecendo um ambiente saudável que possa receber aquele que pretende se ressocializar.
Nesses termos, o fortalecimento da Defensoria Pública é condição indispensável para que se efetive a igualdade legal e a realização de direitos, sendo uma imposição da própria democracia, uma vez que se trata de uma instituição com a atribuição de garantir a defesa dos direitos daqueles que por si sós não têm acesso aos tribunais. Consequentemente, a existência e o vigor da Defensoria Pública são exigências para o rompimento de importantes barreiras no acesso à Justiça e para a realização da isonomia democrática.
Tais exigências são tanto mais acentuadas quanto maiores forem as dificuldades. No caso brasileiro, há uma perversa confluência de fatores operando no sentido de dificultar o acesso à Justiça e à realização de direitos. Os obstáculos são de natureza econômica, educacional e cultural. Ademais, diferentemente do que se passou nos países de mais longa experiência democrática, para os quais a questão do acesso à Justiça dizia respeito, sobretudo, às minorias, entre nós é fundamentalmente um problema de garantia de acesso ao sistema de Justiça para a maioria da população.
A inclusão dessa maioria não significa apenas poder contar com um profissional apto a postular em juízo, significa, antes de mais nada, conhecer e reclamar direitos e assim poder participar como sujeito na arena pública, ou seja, a efetivação de uma democracia radical. E esses são os papéis, por excelência, de uma Defensoria Pública com missão de liderar o processo de construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Publicado no "Estado de Minas -Direito & Justiça", segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011, p.3.