terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Discurso de colação de grau em Direito - FASA - 2º semestre de 2010.

Boa noite a todos os presentes, familiares, amigos, professores, funcionários, diretoria da Faculdade Asa de Brumadinho, e em especial, aos formandos desta noite!

Este é um momento de grande importância para todos nós, acabamos de festejar o Natal, estamos em vésperas de um ano-novo, ou seja, estamos em época de reflexão, de planejamento, da construção de uma nova etapa em nossas vidas.

E hoje estamos aqui nesta bela noite oficializando a concretização de um sonho, vocês todos estão comemorando uma conquista, sem dúvida, uma das mais importantes conquistas da vida de vocês: a graduação. A partir de agora vocês terão todo um mundo pela frente, um mundo de luta, um mundo de conquistas, mas também um mundo de reveses, porém, tenham certeza, meus prezados alunos, os reveses serão passageiros, as alegrias serão eternas, o sucesso jamais será esquecido por vocês e pelas gerações vindouras: por seus filhos, netos, bisnetos. Vocês são motivo de orgulho para todos nós, principalmente para seus familiares e para Deus!

Há pouco tempo vocês eram crianças que sonhavam e brincavam descompromissadamente com a vida, com o mundo. Vocês foram crescendo, perceberam que o mundo não era tão belo como brincavam, perceberam que existe a guerra, que existe a fome, que existe a desigualdade social. Porém, existem também soluções para a busca de uma sociedade melhor: a fraternidade, a solidariedade, o respeito ao próximo, os sonhos. Em cada um de vocês está hoje a presença de Deus, quantas viagens de suas casas para a faculdade, quantas noites insones preocupados, estudando, para as provas, alguns momentos de raiva de colegas, professores, funcionários. Mas tudo passou e o que ficou foi a certeza de termos feito o nosso melhor, como alunos, como professores, como funcionários, enfim, como amigos e colegas.

Peço licença agora para me dirigir aos seus familiares, parabéns pais, mães, padrastos, madrastas, irmãos, filhos, tios, avós, cônjuges. Vocês compartilham neste momento o sucesso do ente querido: a faculdade proporcionou a eles o conhecimento para o caminhar, bastará aos mesmos fazê-lo. Lembrem-se que a caminhada é feita de passos, passos esses diários, o importante é não parar de caminhar.

Gostaria de dizer a todos vocês, individualmente, que o Direito é uma luta diária, como salientado, a luta contra a desigualdade social, contra as injustiças, contra o poder que oprime os fragilizados. Assim, seguindo as palavras de Eduardo Coutoure, quando tiverem que sugerir aos filhos de vocês qual profissão seguir, não tenham medo ou vergonha de dizer: “faça-se de ti um advogado”. E quando vocês olharem e virem estas belas montanhas de Brumadinho, certamente sentirão saudades deste momento que ficou!

Sucesso a todos e muito obrigado pela oportunidade de compartilhar com vocês este maravilhoso segundo semestre de 2010, que as conquistas sejam inúmeras e as dificuldades do caminho sejam superadas com altivez e, ao final, possamos todos assim dizer: valeu a pena ter lutado, valeu a pena ter sonhado!

Com carinho,

Prof. Márcio Eduardo Morais

BRUMADINHO/MG, 28 de dezembro de 2010.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

John Rawls e a Justiça: em busca de um conceito

JUSTIÇA! Quantas vezes ouvimos esta palavra em nosso dia-a-dia? Muitas! Ouvimos também que o Direito é a ciência que tem por objetivo a persercução da justiça, do justo.

Numa concepção moderna, fruto dos estudos de Miguel Reale, o Direito é definido como fato, norma e valor, dando assim contornos à sua Teoria Tridimensional do Direito; não há grandes problemas em defini-lo.

Todavia, difícil é definir o significado de justiça: Sócrates a define como a verdade; Ulpiano escreve na capa de seu Digesto que justiça é a constante e perpétua vontade dar a cada um aquilo que é seu; Aristóteles a compara à “régua de Lesbos”, régua essa que se encaixa em qualquer estrutura, superfície, assim justiça é algo que se encaixa em qualquer lugar, e em qualquer situação, ela é “perfeita”; para Jesus Cristo, a justiça deve ser entendida através da “regra de ouro”, ou seja, fazer ao próximo aquilo que gostaria que fizesse a si mesmo, “amai-vos uns aos outros”; para Kant justiça é um imperativo categórico, ou seja, devemos fazer com que aquilo que acreditamos como justo se transforme numa máxima universal; Hans Kelsen define justiça como aquilo que está positivado no direito, a Teoria Pura do Direito; teoria que gerou e ainda gera muitos debates; para Ruy Barbosa justiça é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais, na medida de suas diferenças; para citar algumas definições dentre muitas.

Compreendemos assim, um enorme esforço intelectual para se definir justiça. A história da humanidade nos apresenta tentativas frutíferas e infrutíferas, todas elas, porém, válidas para a construção da doutrina e do conceito de Direito e de justiça.

Modernamente, uma das teorias mais produtivas é a de John Rawls, compiladas em sua obra de 1971, A Theory of Justice, traduzida para o vernáculo como “Uma Teoria da Justiça”.

Apresentado sucintamente o professor norte-americano John Rawls, esclarecemos que o mesmo é sucessor ideológico do filosófo inglês John Locke, seu pensamento provoca reflexos em todos os segmentos da sociedade atual, como a estipulação de cotas para negros nas universidades brasileiras, o que está embasado em seu princípio da igualdade. Para Rawls, a justiça se realiza institucionalmente, e não individualmente, idéia semelhante à concepção ética do filósofo alemão Jürgen Habermas.

Rawls desde jovem se preocupou com as questões sociais, tal interesse começa devido ao envolvimento de sua mãe com o movimento feminista e em decorrência da relação de desigualdade social vivenciada entre brancos e negros em sua cidade natal, Baltimore.

Seu pensamento aborda, fundamentalmente, os temas: justiça, legitimidade e democracia; interessa-nos abordar, por ora, seu conceito de justiça. Sua teoria, calcada em idéias contratualistas, é sustentada sobre dois princípios: o princípio da “igualdade” e o da “diferença”.

A igualdade é observada no início do pacto: as partes, originariamente, encontram-se em posição de igualdade e podem escolher seus direitos e deveres, ou seja, podem criar uma história diretiva, há aí semelhança com a teoria rousseauniana do Contrato Social: as partes estipulam as regras para um pacto de justiça.

Após essa primeira fase, há a prevalência do princípio da diferença, para que os pactuantes recebam o benefício da justiça de acordo com suas igualdades e diferenças, tal princípio garantirá a materialidade da justiça contra quaisquer mudanças sociais ou desigualdades que possam surgir.

É importante salientarmos, também, que a obra de Rawls recebeu inúmeras críticas. Entretanto, John Rawls não deixa de ser um dos maiores teóricos da justiça do século vinte, ou o melhor de todos, como defendem muitos doutrinadores e filósofos do direito.

Habermas afirma que a obra de Rawls reabilitou questões morais reprimidas há muito e apresentou-as como objeto de pesquisas sérias; o filósofo político Robert Nozick nos diz: “os filósofos políticos precisam agora trabalhar dentro da teoria de Rawls ou explicar por que não o fazem”.

A maioria dos modernos não aceita o fato de essa repartição não ser calcada no mérito, para esses críticos a desproporcionalidade de rendimentos, prestígio, é justificada, ou seja, quem trabalha mais, estuda mais, terá mais méritos. Todavia, Rawls apresenta um outro tipo de igualdade, contestando que tal desproporcionalidade só seria justa se num primeiro momento houvesse igualdade de chances de acesso a tais méritos.

Como podemos aceitar como justo a vida de uma pessoa nascida numa família estruturada, com todo o conforto que a situação econômica favorável pode lhe trazer, e outra em situação oposta, uma pessoa que assistiu, desde sua infância, a todos os atentados contra sua moral? Como cobrar dela uma vida “mais” frutífera? Para Rawls, esse é o nó górdio sobre a justiça distributiva: há uma atenção especial a favor dos desfavorecidos, dos “párias sociais”, o que, efetivamente, não acontece em nossa sociedade atual.

Sua fundamentação de justiça visa à melhoria das relações entre os homens, saindo de um modelo excludente para um modelo igualitário liberal, não há a intromissão do Estado, este não pode em todos os momentos “regular” as relações sociais, o compromisso deve surgir entre os próprios homens, por intermédio de relações democráticas e discursivas.

Concluindo, afirmamos que o Direito moderno busca justificação em sua “genitora”: a Filosofia Jurídica; disciplina tão desprestigiada em vista da evolução de um Direito positivo calcado no primado da lei sem contestações, usado a favor dos opressores, justificador de mazelas e atrocidades.

A discussão filosófica é criadora e com ela buscamos a evolução do Direito e da sociedade justa. Se não atentarmos para essa busca, assistiremos ao primado do desrespeito e das injustiças, se é que também conseguiremos definir o que seja INJUSTIÇA!

* Artigo publicado no Jornal Estado de Minas - Caderno Direito e Justiça

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ANÁLISE INTEGRADA DO DESENVOLVIMENTO E ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: uma crítica à teoria de Walt Whitman Rostow sobre as etapas do desenvolvimento econômico

Em co-autoria com Carolina Senra Nogueira da Silva[2]


Palavras-chave: Economia. Desenvolvimento. Recursos naturais. Meio ambiente.


RESUMO


A teoria, ou, as teorias do desenvolvimento econômico têm feito parte, há muito, dos debates acadêmicos acerca do que vem a ser o desenvolvimento, suas consequências e seu caminho a ser trilhado. Pode-se inferir, através de uma observação contemporânea, o fato de que o pensamento sobre o desenvolvimento se organizou dentro da temática do progresso.[3]
Dentre outras teorias, a de Walt Whitman Rostow[4](1959), assim como a de Arthur Lewis[5] com a teoria do crescimento econômico (1955), foram as primeiras contribuintes para a definição do conceito de desenvolvimento. Ambos fazem uma abordagem do desenvolvimento com uma influência européia marcada pela Revolução Industrial, a Segunda Guerra Mundial e a reconstrução da Europa, tendo como convicção a capacidade de os países pobres se desenvolverem na mesma proporção dos países ricos.
A ideia de desenvolvimento sempre esteve atrelada ao crescimento econômico, o qual se daria com a industrialização, significando, deste modo, modernização. Nessa perspectiva, Rostow, como diversos outros autores, atem-se em mostrar as condições necessárias para se alcançar tal modernização, tendo como exemplos os países ocidentais desenvolvidos. De outro lado, autores como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto dão um aspecto histórico-social à abordagem do desenvolvimento econômico.
Deste modo, o presente artigo tem como escopo tecer uma análise crítica às etapas de desenvolvimento propostas por Rostow, complementada com o aspecto histórico-social da teoria da dependência, tendo como foco a limitação dos recursos naturais.


1 OS PENSAMENTOS DE ROSTOW E DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E FALETTO


A explanação do economista Walt Whitman Rostow se inicia com a definição das cinco etapas de desenvolvimento e um enunciado resumido da teoria dinâmica da produção que constitui a ossatura dessas etapas. Deste modo, é possível enquadrar, segundo Rostow, todas as sociedades, dentro de suas dimensões econômicas, nas cinco seguintes categorias:

1.    Sociedade Tradicional;
2.    As precondições para o arranco;
3.    O arranco;
4.    A marcha para a maturidade; e
5.    A era do consumo em massa.

Rostow salienta logo no início do primeiro capítulo de sua obra Etapas do desenvolvimento econômico (1959) que:

Este livro apresenta uma generalização da marcha da História moderna feita por um historiador da economia. A forma de tal generalização é um conjunto das etapas de desenvolvimento.
Aos poucos, cheguei à conclusão de que é viável e, para determinados fins limitados, útil decompor a história de cada economia nacional – e por vezes a de regiões inteiras – de acordo com este conjunto de etapas. Elas constituem, no fim de contas, tanto uma teoria sobre o desenvolvimento econômico quanto uma teoria mais geral, embora ainda consideravelmente parcial, sobre a totalidade da História moderna. (ROSTOW, 1961: 11).

Assim, o próprio Rostow reconhece que “as etapas de desenvolvimento são um modo arbitrário e restrito de encarar a sequência da História moderna, e que não são, em qualquer sentido absoluto, uma forma exata.” (ROSTOW, 1961: 11-12), destinando-se a dramatizar também a exclusividade da experiência de cada nação.
Ao analisar as etapas do desenvolvimento econômico Rostow se deparou com vários problemas[6], afirmando ainda que as etapas do desenvolvimento se destinem a enfrentar esses temas, constituindo uma alternativa à teoria marxista sobre a História moderna, devendo, também, ficar claro que:

Conquanto as etapas de desenvolvimento sejam um método econômico de encarar sociedades integradas, em nenhum sentido implicam que os mundos da política, da organização social e da cultura sejam uma simples superestrutura construída sobre a economia e oriunda exclusivamente dela. Pelo contrário, aceitamos, desde logo, a noção a que Marx, no fim, voltou as costas, e que Engels estava disposto a admitir de todo o coração já em sua velhice, qual seja a de que as sociedades são organismos interatuantes. (ROSTOW, 1961: 13).

Deste modo, ao encarar o “subdesenvolvimento” apenas como um atraso, Rostow se preocupa em demonstrar como esses países pobres vão entrar na via do desenvolvimento. De acordo com o autor, isso aconteceria se tais países passassem pelo mesmo caminho percorrido pelos países desenvolvidos. Essa percepção, de que ao arrancar (take off), os países pobres poderiam chegar à “era do consumo” significava o ápice do desenvolvimento, o que é atualmente questionado pela concepção ecológica e pela crítica ao consumismo.
Apesar de afirmar que as mudanças econômicas trazem consequências sociais e políticas, Rostow admite que tais mudanças econômicas podem ocorrem por condições psicológicas, sociais, político-institucionais, dentre outras.
Por outro lado, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto salientam o fato de que nas ciências sociais os conceitos são historicamente densos, precisando ser redefinidos sempre que ocorrer alterações de alcance estrutural nas relações sociais. Assim, as novas dimensões (ecológicas e até éticas) enriqueceram as noções de desenvolvimento.
Todavia, a mudança das estruturas sociais não é somente um processo acumulativo no qual se agregam novas “variáveis” que se incorporam à configuração estrutural, implicando também um processo de relações entre os grupos, forças e classes sociais. Havendo necessidade de se considerar não somente o caráter da estrutura social de uma dada sociedade, como também o seu processo de formação.
O objetivo central do ensaio é “explicar os processos econômicos enquanto processos sociais” (CARDOSO; FALETTO, 1979: 36). Deste modo, os temas perfilados com maior vigor são os condicionantes econômicos do mercado mundial, inclusive o equilíbrio internacional do poder; a estrutura do sistema produtivo nacional e seu tipo de vinculação com o mercado externo; a configuração histórico-estrutural de tais sociedades, com suas formas de distribuição e manutenção do poder, e, sobretudo, os movimentos político-sociais que pressionam para a mudança com suas respectivas orientações e objetivos.
Assim, almejando uma interpretação global do desenvolvimento, por intermédio da passagem da análise econômica ou da interpretação sociológica usuais, Cardoso e Faletto[7] salientam que é necessário estudar desde o início as conexões entre o sistema econômico e a organização social e política das sociedades subdesenvolvidas.
Cardoso e Faletto também salientam a existência de países subdesenvolvidos e países “sem desenvolvimento”. Havendo em relação às economias desenvolvidas e às subdesenvolvidas mais que uma simples diferença de etapa ou de estágio do sistema produtivo, como também de função ou posição dentro de uma mesma estrutura econômica internacional de produção e distribuição, supondo, de outro lado, uma estrutura definida de relações de dominação. Os autores não se referiam à dependência em geral, mas sim a situações de dependência[8].
Reconhecer a historicidade da situação de subdesenvolvimento requer mais do que assinalar as características estruturais das economias subdesenvolvidas. É necessário analisar, com efeito, como as economias subdesenvolvidas vincularam-se historicamente ao mercado mundial e a forma em que se constituíram os grupos sociais internos que conseguiram definir as relações orientadas para o exterior que o subdesenvolvimento supõe.
Deste modo, ao dar complementaridade ao texto de Rostow com a abordagem feita por Cardoso e Faletto, possibilitar-se-á uma análise crítica melhor embasada, uma vez que se revela insustentável afirmar que um país pudesse desenvolver de forma linear totalmente livre das relações de poder que hierarquizam de forma internacional os países e suas economias. Ao acentuar tanto os aspectos econômicos do subdesenvolvimento quanto os processos políticos de dominação entre os países, evita-se a abstração dos condicionantes sociais e políticos do processo econômico na abordagem de Rostow.
Com isso, necessitar-se-á indagar como todos os países considerados subdesenvolvidos na perspectiva da teoria de Rostow poderiam seguir as fases de desenvolvimento utilizando os mesmos recursos além dos limites nos quais o equilíbrio ecológico pode ser mantido, (?) partindo do pressuposto de que o desenvolvimento econômico significa um aumento das necessidades materiais além do necessário, caracterizando-se, assim, um desenvolvimento de formas mais intensivas de exploração dos recursos naturais.


2 ESCASSEZ DOS RECURSOS NATURAIS E NOVAS TECNOLOGIAS


Partindo do questionamento apresentado no capítulo anterior, acerca da possibilidade de todos os países pobres cumprirem todas as etapas de Rostow, existindo uma limitação dos recursos naturais, pode-se afirmar, de acordo com Richard Wilkinson, que:

Os vários estágios de desenvolvimento que os teóricos identificaram – ou pensaram fazê-lo – no decorrer da história econômica, tecnológica, social ou política são reflexos dos processos ecológicos fundamentais, entre os quais os mais importantes foram os associados à revolução industrial e neolítica. De tempos em tempos, quando a população aumenta muito, as sociedades saem fora de seu “nicho ecológico” anterior. A procura agregada de subsistência, dos recursos naturais específicos nos quais o sistema cultural se baseia, acaba excedendo a provisão que o meio ambiente pode manter. (WILKINSON, 1974: 114).

Ao longo da história o crescimento econômico esteve diretamente ligado à formação de excedentes e de sua acumulação, o que era considerado finito pelos economistas clássicos como Adam Smith, David Ricardo[9] e John Stuart Mill. Assim, com a Revolução Industrial do século XVIII, a produção aumentava consideravelmente, exigindo cada vez mais matérias-primas para sustentar o volume de bens produzidos. Outro fator relevante é o aumento da população, aumentando a necessidade de bens, incentivando o desenvolvimento por serem sinônimos de status social, substituindo os bens tradicionais. Tendo assim, consequências árduas sobre a sociedade, o que deteriora valores que a sustentam em equilíbrio ecológico. Nesse sentido, Hélio Jaguaribe afirma que:

Perdurou por muito tempo no mundo, até já avançado o século XX, a impressão de que a natureza, como um bem comum da humanidade, era algo de inexaurível, que se encontrava à livre disposição das conveniências humanas e dispunha de inerentes processos que asseguravam, automaticamente, sua renovação. Supunha-se que as complexas relações entre os recursos naturais da atmosfera, das águas e da terra, em parte ativados por não menos complexas relações entre a matéria inanimada e múltiplas formas de vida, compunham um sistema dinâmico homeostático, embora, até recentemente, se desconhecesse como funcionasse esse sistema, que ainda hoje apresenta aspectos mal compreendidos. (JAGUARIBE, 2008: 591).

Com o aumento considerável da produção, problemas ambientais foram surgindo, não sendo, infelizmente, à época, tratados como um problema econômico, só o sendo a partir da segunda metade do século vinte[10], gerando, destarte, desequilíbrio ecológico.
Caso uma sociedade saia do equilíbrio ecológico, a subsistência se torna um problema, piorando as condições econômicas, gerando dificuldades que indicam uma crise crescente. Wilkinson afirma que:

Uma sociedade sai do equilíbrio ecológico devido ao distúrbio de alguma parte do sistema cultural que servia para mantê-la dentro dos limites estáveis. Muitas vezes, os registros históricos e antropológicos não mostram exatamente como os mecanismos delicados que mantêm uma determinada sociedade em equilíbrio são perturbados: talvez tudo o que se saiba é que a sociedade está atualmente sofrendo com a pressão populacional sobre a terra disponível e que a população começou a crescer logo depois que a influência européia na área se tornou significativa. (WILKINSON, 1974: 70).

Wilkinson (1974) afirma que a quebra do equilíbrio ecológico exige mudanças que são claramente parte do processo econômico, sendo consequências inexoráveis de um processo complexo de transformação social e, inclusive, ambiental. Assim, ainda de acordo com Wilkinson, “à medida que os recursos básicos começam a escassear, as necessidades crescentes que não podem ser satisfeitas dentro da estrutura tradicional dão o único impulso importante ao desenvolvimento.” (WILKINSON, 1974: 67).
Todas as vezes em que esse equilíbrio ecológico for “quebrado”, conforme exposto ainda por Wilkinson, as sociedades tentarão descobrir formas de desenvolvimento de novas tecnologias para otimizar o uso dos recursos ambientais. A criação de novas tecnologias seria uma tentativa de se resolver o problema da escassez de recursos naturais, trazendo a possibilidade de exploração intensiva de novos recursos, os quais antes inexplorados e sem interesse direto para a sociedade, até então.
Assim, percebe-se que o desenvolvimento na agricultura se deu, na maioria das vezes, com o intuito de elevar a excelência na utilização do meio ambiente, usufruindo da terra para uma produção cada vez mais especializada e intensiva de vegetais e animais para a subsistência humana. Portanto, com o aumento da exploração do meio ambiente, grande parte da produção de matérias-primas, anteriormente obtidas do meio ambiente de forma natural, se encontra sob a dependência do trabalho humano. Nestes termos:

Uma vez, o homem pôde se vestir com a pele dos animais que comia; mais tarde, teve que cultivar ou coletar as fibras naturais com as quais poderia tecer uma peça do vestuário; hoje, cada vez mais, é obrigado a fabricar fibras artificiais derivadas de recursos minerais, com as quais são feitos os tecidos. A cada estágio, uma quantidade maior se torna disponível, mas cada vez maior parte do processo tem que se realizada pelo homem. (WILKINSON, 1974: 105-106).

Deste modo, a escassez dos recursos naturais gera um desequilíbrio ecológico, todavia essa escassez pode ser suprida pela importação de novos gêneros ou a substituição de tais recursos por novos, ou mesmo, o aperfeiçoamento de novas técnicas para exploração intensiva de recursos e matérias-primas escassas. As sociedades, ao apetecer satisfazer a sua busca incessante de bens de consumo, além da sua necessidade básica, exigem, cada vez mais, do processo produtivo.
A princípio, tais necessidades eram supridas através da caça e do uso de plantas naturais, após isso, através do uso de produtos agrícolas e posteriormente de recursos minerais, exigindo um aprimoramento do sistema produtivo. Com isso, por intermédio da criação de novos instrumentos e equipamentos de trabalho, a mão-de-obra, por meio de uma maior divisão do trabalho, foi diminuída com novas técnicas e fontes de energia. Podendo-se deduzir as características básicas do desenvolvimento econômico através das premissas às quais se fundamenta o enfoque ecológico.
Contudo, mesmo que se considere que a escassez de recursos naturais pudesse ser suprida pelo desenvolvimento tecnológico, possibilitando, assim, aos países subdesenvolvidos cumprirem os estágios de Rostow, outro problema pode ser auferido da teoria rostowiana. Será que o aumento da exploração do meio ambiente, considerando a implementação da tecnologia, significa o aumento da eficiência econômica?


3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA E AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO


Considerando os pressupostos avençados no capítulo anterior, há de se admitir que a limitação dos recursos extraídos do meio ambiente não significa empecilho para se alcançar o desenvolvimento, através da ideia de sucessão evolutiva de estágios, segundo W. W. Rostow. Entretanto, torna-se inevitável questionar se o aumento da exploração do meio ambiente e a elevação da eficiência econômica podem ser considerados equivalentes.
A análise do desenvolvimento econômico sempre esteve atrelada à ideia de eficiência econômica crescente, porém, isso nada mais é que a elevação da exploração do meio. Assim, outros modelos são buscados pelas pessoas, outras fontes de recursos são necessárias para uma exploração mais eficaz. Todavia, “o aumento da quantidade de meios de subsistência, quando o crescimento populacional o exige, não tem nenhuma ligação a priori com a eficiência”. (WILKINSON, 1974: 67). A sociedade sempre descobre novas formas de desenvolver tecnologia com o intuito de maior otimização dos recursos ambientais, quando seu equilíbrio com o meio é rompido. Deste modo:

As mudanças da eficiência econômica são movimentos para cima e para baixo mais complexos, que refletem as tentativas das sociedades de resolver os seus problemas ecológicos da melhor maneira possível. A estabilidade no nível de eficiência é evidentemente perturbada por qualquer modificação técnica introduzida para aumentar o rendimento do meio. O nível de eficiência tende a se comportar como a variável dependente. (WILKINSON, 1974: 69).

Não se pode, porém, afirmar que os avanços tecnológicos não trazem melhoramento, seus efeitos negativos na modificação dos recursos e nos métodos aplicados no processo produtivo podem ser abstraídos pelas inovações criadas. Necessitar-se-á compreender que aumentar a eficiência ou melhorar os padrões de vida humanos não significa necessariamente aumentar a eficiência de exploração do meio, o que sugere o desenvolvimento econômico. As sociedades podem buscar meios para efetivar seu modo básico de vida sem aterem-se às mudanças relacionadas ao desenvolvimento econômico. Nestes termos:

Apreciando o desenvolvimento econômico do ponto de vista ecológico, efetivamente removemos a ideia de progresso daquela posição central que sempre ocupou na nossa visão do processo. Em vez de encarar o desenvolvimento como uma questão de “progresso” visando a uma “vida melhor”, motivado por uma insatisfação incurável com o que temos, percebemos que é um processo de solucionamento de uma série de problemas que, de tempos em tempos, ameaçam o sistema produtivo e a suficiência dos meios de subsistência. De fato, as sociedades humanas em desequilíbrio ecológico têm de se desenvolver rapidamente para se manterem; o seu desenvolvimento, no entanto, não implica necessariamente algum melhoramento a longo prazo da qualidade de vida humana. (WILKINSON, 1974: 120).

Perceber-se-á que o avanço tecnológico traz eficiência econômica no sentido de melhor extrair os recursos do meio ambiente ou mesmo criar mecanismos para a superação de sua escassez, sem considerar o fato de que nem sempre isso será possível no momento de necessidade extrema. Todavia, isso não significa necessariamente um melhoramento na qualidade de vida das sociedades, uma vez que o processo produtivo, base do desenvolvimento econômico, limita cada vez mais tal qualidade, mesmo em situações que o excedente material não é aceito.
Rostow explica o subdesenvolvimento, dentre outros fatores, pelos baixos níveis de poupança e a ausência de uma classe empresarial dinâmica. Assim, a poupança nesses países, segundo ele, era usada de maneira improdutiva. Tal proposição não se mantém se for considerado que tais sociedades possuem uma tecnologia consistente, limitando o implemento de novas, seus recursos produtivos são usados de forma eficiente dentro de suas estruturas econômicas. O crescimento econômico se caracteriza, então, como um processo de implementações qualitativas quando se mostra precária a possibilidade de aumento quantitativo no sistema econômico. Percebe-se que é, muitas das vezes, o aumento de matérias-primas mais complexas, o fator dificultador da atividade produtiva.
Mesmo admitindo que os países subdesenvolvidos resolvam o problema da escassez com o implemento de tecnologias, proporcionando-lhes uma eficiência econômica, no que tange à superação desta carência, ainda sim, não parece claro como todos esses países poderão chegar ao desenvolvimento passando pelos estágios propostos por Rostow.
Destarte, quando muitos países subdesenvolvidos atingirem a maturidade industrial, tudo indica que não haverá recursos suficientes dos quais dependem a tecnologia industrial atual, o que ocasionará o esgotamento de tais recursos.


4 CONCLUSÕES


Ao terminar esse breve ensaio há que se questionar qual o interesse de se escrever sobre desenvolvimento econômico, haja vista o grande número de trabalhos já elaborados acerca do referido tema, todavia, ainda existindo muito que se analisar sobre o mesmo.
Primeiramente, há que se separar dois aspectos distintos: desenvolvimento e modernização, não podendo considerá-los como sinônimos; desenvolvimento, mesmo que muitas vezes esteja atrelado ao crescimento econômico, pressupõe muitos outros fatores, além da simples ideia de modernização. O desenvolvimento tem sido tema constante, devido à falta de um conceito preciso para o termo. (CAMPOS, 2005).
Na sociedade do século vinte e um, embalada pelo progresso industrial, crescimento populacional em diversos países emergentes, com sobrecarga excessiva em relação ao meio ambiente, poluição, dentre outros problemas, há a necessidade premente de se buscar desenvolvimento, porém desenvolvimento democrático.[11]
Assim, uma crítica direta é dirigida ao pensamento de Walt Whitman Rostow, negando-se suas etapas de desenvolvimento. Não se sustenta a ideia de que todos os países passariam por uma trajetória linear, chegando, destarte, ao desenvolvimento, ideia essa que é frontalmente atacada por diversos teóricos, dentre eles Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, os quais salientam um paradigma de um desenvolvimento econômico orientado com aspectos sociais e particulares de cada Estado.
O intuito proposto é de negar a Teoria da Modernização de Rostow, não sob o aspecto da Teoria da Dependência, mas sim, sob a ótica ecológica. Contudo, mesmo que os grandes avanços tecnológicos criem métodos de exploração de recursos mais duradouros ou mesmo outros mecanismos que possam resolver os problemas ecológicos, advindos do intenso desenvolvimento econômico, não se pode imaginar que todos os Estados chegarão ao desenvolvimento através das etapas rostowianas, considerando hodiernamente as inúmeras adversidades ambientais.
Este ensaio não teve a pretensão de esgotar ou mesmo definir o que seja desenvolvimento, cujo escopo se flexibiliza com o tempo, o espaço e a abordagem metodológica.




REFERÊNCIAS


BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta anos de pensamento na Cepal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

CAMPOS, Taiane Las Casas (Org.). Desenvolvimento, desigualdades e relações internacionais. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2005.

CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

JAGUARIBE, Hélio. Brasil, mundo e homem na atualidade: estudos diversos. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

MATTEDI, Cécile Raud. UMA ANÁLISE CRÍTICA DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA: a noção de progresso e o papel das instituições formais e informais. Política & Sociedade, Florianópolis, ano 01, n. 01, set. 2002. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2009.

NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento e ecologia. São Paulo: Saraiva, 1995.

ROSTOW, Walt Whitman. As etapas do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.

WILKINSON, Richard G. Pobreza e progresso. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.



[2] Mestranda em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[3] Dentro desta temática, Cécile Raud Mattedi afirma que: “se forem procuradas as raízes da noção de progresso, temos que voltar bastante longe: à Bíblia, à filosofia grega, a algumas noções de utopia na Idade Média, e essencialmente ao Iluminismo – i.e. ao questionamento das estruturas sociais, de formas de pensamento mais tradicionais -, à confiança na razão, no poder do homem de transformar a sociedade e a si mesmo.” (MATTEDI, 2002: 95).
[4] Walt Whitman Rostow nasceu em 1916, em Nova York. Formou-se em 1936, na Universidade de Yale, obteve seu MA em Oxford, 1938 e seu PhD na Universidade de Yale, em 1939. Começou lecionando em Harvard nos anos 40 e só deixou em 1961, para assumir posições governamentais importantes. Envolvido com a guerra do Vietnã no governo Johnson, abandonou seu cargo para voltar a lecionar, desta vez na Universidade de Texas, Austin. Escreveu, dentre outras obras, The Stages of Economic Growth, The Stages of Economic Growth: A non-communist manifesto e Politics and the Stages of Growth.

[6] Quais os impulsos que levaram as tradicionais sociedades agrícolas a iniciar o processo de sua modernização? Quando e como o desenvolvimento regular se tornou um traço inerente a cada sociedade? Que forças impulsionaram a marcha do desenvolvimento e automático e determinaram sua configuração? Que traços sociais e políticos comuns do processo de desenvolvimento podem ser percebidos em cada etapa? Em que direções a originalidade de cada sociedade se expressou em cada etapa? Que forças determinaram as relações entre as áreas mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas; e qual a relação, se é que houve, da seriação relativa do desenvolvimento com a irrupção de guerras? E, por fim, para onde nos estão levando os juros compostos? Estarão levando-nos para o comunismo; para os opulentos subúrbios, elegantemente refinados com o capital social básico; para a destruição; para a Lua, ou para onde? (ROSTOW, 1978: 14).
[7] Na história das ideias cepalinas dos anos 1960 encontram-se dois vetores analíticos menos efêmeros que o “estagnacionismo” e, por isso mesmo, mais representativos da produção intelectual do órgão: as teses sobre “dependência” e a tese da “heterogeneidade estrutural”. A teoria da dependência tem duas vertentes, ma de análise predominantemente política e uma segunda de análise predominantemente econômica. Sob o estímulo da sociologia de desenvolvimento cepalina de José Medina Echavarría, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto reuniram-se na CEPAL (ILPES) em 1966-67 e redigiram seu “Dependência e desenvolvimento na América Latina” (1969, Texto 13 desta coletânea). O texto foi escrito como reação teórica à tese corrente na época de que se estava gestando na região uma burguesia nacionalista potencialmente comprometida com um padrão de desenvolvimento que justificava uma aliança com a classe trabalhadora e que podia conquistar hegemonia política. O trabalho organiza a vinculação entre os processos de crescimento dos distintos países ao comportamento das classes sociais e às estruturas de poder. Sua grande inovação é metodológica, e reside na exigência de que essa vinculação se faça considerando as relações entre essas estruturas domésticas e o poder econômico e político no resto do mundo. Segundo os autores, a especificidade histórica da situação de subdesenvolvimento reside na relação entre as sociedades periféricas e centrais. Isso exige a análise da forma como as economias subdesenvolvidas se vincularam historicamente ao mercado mundial e da forma como se constituíram os grupos sociais internos que definiram as relações internacionais intrínsecas ao subdesenvolvimento. Como salientam os autores, “esse enfoque significa reconhecer que no plano político-social existe algum tipo de dependência nas situações de subdesenvolvimento, e que esta dependência começou historicamente com a expansão das economias dos países capitalistas originários”. (BIELSCHOWSKY, 2000: 41).
[8] Dependência na fase de constituição do Estado Nacional e de formação de uma burguesia exportadora, dependência na situação de enclave e dependência na etapa de internacionalização do mercado na fase de formação de economias industriais periféricas. Subdividimos ainda mais estas “fases”, mostrando que não constituem etapas, mas formações sociais específicas que supõem, às vezes, arranjos particulares que contêm a existência das três situações, embora sempre estruturadas de forma sobredeterminada. (CARDOSO, 1979: 41).
[9] Segundo Adam Smith, o estado estacionário seria atingido quando o estoque de capital fosse tão grande que as oportunidades de negócio rentáveis e os investimentos líquidos se anulassem, ou seja, a taxa de lucro do mercado seria igual a taxa mínima de lucro. Para David Ricardo, o estado estacionário chegaria quando todas as piores terras fossem utilizadas; o lucro seria nulo e toda renda monetária seria utilizada para o pagamento de salários.
[10] De acordo com Fábio Nusdeo (1995), todas as atividades humanas geram resíduos e interferem, de uma ou de outra forma, nas condições do meio. Todavia, o problema que se nos apresenta hoje é o fato de a utilização de recursos naturais e o despejo de resíduos no meio ambiente já serem, na maioria dos casos, muito superiores à capacidade do meio de absorver esses resíduos e de renovar recursos. (NUSDEO, 1995).
[11] Por desenvolvimento democrático pode-se entender o desenvolvimento que pressupõe igualdade, efetiva participação cívica em suas decisões, com racionalidade social em relação ao emprego de recursos naturais e na seleção de tecnologias usadas.

O CONCEITO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO PENSAMENTO CRISTÃO DA CONTEMPORANEIDADE

 

Palavras-chave: Filosofia do Direito. Justiça distributiva. Cristianismo.


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar a posição de destaque assumida pela justiça distributiva no século vinte e um, tendo sido tal evento influenciado pelo pensamento social da Igreja Católica, o qual se encontra em diversas encíclicas. Inicialmente há que se considerar a alteração sofrida no conceito de justiça distributiva ao longo do pensamento jusfilosófico. Inicialmente justiça distributiva significava distribuir vantagens política a cada indivíduo de acordo com o seu mérito. Atualmente, justiça distributiva significa dar a cada um de acordo com sua necessidade, sem se levar em consideração o mérito deste indivíduo. Deste modo, o presente artigo tem como objetivo analisar a importância das encíclicas papais e sua influência na definição da noção atual de justiça distributiva.


1 O CONCEITO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NO PENSAMENTO CRISTÃO


A definição de justiça distributiva no pensamento aristotélico-tomista ganha importância nos últimos séculos com o advento das encíclicas sociais da Igreja Católica. Considera-se a Encíclica Rerum Novarum[3] do Papa Leão XIII como a primeira encíclica a tratar da questão da justiça distributiva. Inicialmente, a Rerum Novarum salienta a expressiva diferença entre os homens e os animais, afirmando que:

Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua atividade sempre viva e lhes desenvolve as forças; por outro, provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. (LEÃO XIII, 1891).

De outro lado, seriam incapazes de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objeto particular que os sentidos percebem, o que é muito diferente da natureza humana. Inicialmente, no homem reside, em sua perfeição, toda a virtude da natureza sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objetos físicos e corpóreos. Todavia, a vida sensitiva mesmo que possuída em toda a sua plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é-lhe muito inferior e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de fazer uso das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido. (LEÃO XIII, 1891). Uma consideração mais profunda se faz em relação ao fato de o homem poder usar e dominar os produtos da terra.
Atacando ferozmente o comunismo, salientando não haver lutas de classes, mas sim, concórdia de classes, abordando diversos temas relacionados ao trabalhador e à sua dignidade, como as obrigações dos operários e dos patrões, o Estado, as associações operárias, a Rerum Novarum traz, ao abordar a origem da prosperidade nacional, uma definição de justiça distributiva.
A definição é construída a partir da discussão sobre a prosperidade nacional, trazendo a encíclica que os costumes puros, as famílias fundadas sobre bases de ordem e moralidade, a prática e o respeito à justiça, uma imposição moderada e uma repartição equitativa dos encargos públicos, tornam uma nação próspera. Podendo, o Estado, por todos estes meios, tornar-se útil às outras classes, assim também podendo melhorar sobremaneira a sorte da classe operária, “e isto em todo o rigor do seu direito, e sem ter a temer a censura de ingerência; porque, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deve servir o interesse comum”. (LEÃO XIII, 1891). Quanto mais aumentarem as vantagens decorrentes desta ação, menos necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição dos trabalhadores.
Portanto, sendo insensato prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se evidente que a autoridade pública deve também tomar as medidas necessárias para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Caso não o faça, viola a estrita justiça que quer que a cada um seja dado o que lhe é devido. Assim, a Rerum Novarum traz que:

A esse respeito Santo Tomás diz muito sabiamente: «Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o que pertence ao todo pertence de alguma sorte a cada parte». E por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina lodos os outros, consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva. (LEÃO XIII, 1891).

Todos os homens devem contribuir para a massa dos bens comuns, o que, por um giro natural, repartirá novamente entre os indivíduos, mas as constituições respectivas devem ser diferentes. Haverá sempre entre os cidadãos desigualdades de condições, sem as quais uma sociedade não pode existir nem conceber-se. A equidade manda, pois, que o Estado se preocupe com os trabalhadores, e proceda de modo que, de todos os bens que eles proporcionam à sociedade, lhes seja dada uma parte razoável, como habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações. De onde resulta que o Estado deve favorecer tudo o que pareça de natureza a melhorar-lhes a sorte. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém, tornar-se-á, ao contrário, em proveito de todos, pois importa soberanamente à nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria. (LEÃO XIII, 1891).
Posteriormente à Rerum Novarum, a Encíclica Quadragésimo Anno[4] de 1931 de Pio XI, a qual já no início ao se referir à Encíclica Rerum Novarum, traz em relação à questão da desigualdade na sociedade:

Com efeito ao fim do século XIX, em consequência de um novo gênero de economia, que se ia formando, e dos grandes progressos da indústria em muitas nações, aparecia a sociedade cada vez mais dividida em duas classes: da quais uma, pequena em número, gozava de quase todas as comodidades que as invenções modernas fornecem em abundância; ao passo que a outra, composta de uma multidão imensa de operário, a gemer na mais calamitosa miséria, debalde se esforçava por sair da penúria, em que se debatia. (PIO XI, 1931).

Analisando os resultados da Encíclia Rerum Novarum, denominada por Magna Charta dos Operários, a Carta Encíclica Quadragesimo Anno do Papa Pio XI, datada de 1931, em relação à ação da autoridade civil, salienta que aos governantes compete defender toda a nação e os membros dela constituintes, “tendo sempre cuidado especial dos fracos e deserdados da fortuna ao proteger os direitos dos particulares. Porquanto a classe abastada, munida dos seus próprios recursos, carece menos do auxílio público”, (PIO XI, 1931), por outro lado, a classe indigente, menos abastada, desprovida de meios pessoais, esteia-se sobre tudo na função protetiva do Estado. Deste modo, deve o Estado prover aos operários, visto serem os mesmos da classe pobre. (PIO XI, 1931). Assim, Pio XI salienta que:

Deste contínuo e indefeso trabalho nasceu aquela jurisprudência completamente desconhecida dos séculos passados, que se propõe a defender com ardor os sagrados direitos do operário, provenientes da sua dignidade de homem e de cristão: de fato estas leis protegem a alma, a saúde, as forças, a família, as casas; as oficinas, o salário, abrangem os acidentes de trabalho, numa palavra, tudo aquilo que interessa à classe trabalhadora, principalmente às mulheres e crianças. E se uma tal legislação não condiz de todo nem em toda a parte com as normas de Leão XIII, não se pode contudo negar haver nela muitas reminiscências da encíclica Rerum Novarum e que à mesma por conseguinte se deve atribuir em grande parte a melhorada condição dos operários. (PIO XI, 1931).

O ambiente social à época era de incrementação dos direitos sociais, tendo o capital por muito tempo se arrogado de direitos demasiados, reclamando para si todos os produtos e lucros de sua produção, deixando ao operário unicamente o bastante para restaurar e reproduzir as forças. Tal possibilidade de enriquecimento era falaciosamente defendida pelas leis da economia, leis essas que possibilitavam aos patrões a renda e que condenavam e acorrentavam os trabalhadores à pobreza.
O mundo passava por uma fase de incertezas, o fim da Primeira Grande Guerra demonstrou ao mundo o poderio sombrio de um capitalismo que sufocava a sociedade, um número considerável de pessoas passavam por sérias dificuldades financeiras, desigualdade social e a mais horrenda pobreza material. A Rerum Novarum constitui assim um marco na humanização de leis trabalhistas em todo o mundo, originando positivações de direitos laborais de grande importância nos dias atuais, pois aos governantes compete defender toda a nação e os membros que vivem na mesma, tendo sempre cuidado com os fracos e deserdados da fortuna. (PIO XI, 1931).
Assim, ao prevenir os trabalhadores desses falsos princípios, as palavras de Leão XIII são recordadas por Pio XI: “de qualquer modo que seja distribuída entre os particulares, não cessa a terra de servir à utilidade pública.” (PIO XI, 1931). A própria natureza exige a repartição dos bens em domínios particulares, precisamente com o objetivo de poderem as coisas criadas servir ao bem comum de modo ordenado e constante. Mas também é salientado que “nem toda a distribuição dos bens ou riquezas entre os homens é apta para obter totalmente ou com a devida perfeição o fim estabelecido por Deus.” (PIO XI, 1931).
Não se conseguindo repartir de modo satisfatório as riquezas, então deve-se preservar a utilidade comum alegada por Leão XIII, não se prejudicando o bem geral da sociedade. Portanto, uma classe não pode ser excluída da participação dos lucros, não sendo justo que ricos embolsem tudo e os pobres nada, não podendo uma classe reclamar para si todos os direitos. Mesmo que alguém não trabalhe, deverá receber sua parte na distribuição, não se podendo considerar o trabalho como o único título para se receber o sustento ou perceber rendimentos.
Esforços devem ser envidados para que a riqueza seja acumulada em justa proporção nas mãos dos ricos, mas que também seja distribuída pelos operários, “não para que estes se dêem ao ócio, - já que o homem nasceu para trabalhar como a ave para voar, - mas para que, vivendo com parcimônia, aumentem os seus haveres, aumentados e bem administrados provejam aos encargos da família”, (PIO XI, 1931), mas que deixem também alguma coisa, após a morte, aos que lhes sobreviverem. Tais postulados de distribuição são insinuados na Rerum Novarum e mantidos pela Quadragesimo Anno. Outro aspecto importante em relação à distribuição a ser ressaltado na Quadragesimo Anno refere-se ao fato de que:

Primeiro ao operário deve dar-se remuneração que baste para o sustento seu e da família. É justo que toda a mais família, na medida das suas forças, contribua para o seu mantimento, como vemos que fazem as famílias dos lavradores, e também muitas de artistas e pequenos negociantes. Mas é uma iniquidade abusar da idade infantil ou da fraqueza feminina. (PIO XI, 1931).

Deste modo, deve-se buscar que os pais de família recebam uma paga bastante a cobrir as despesas ordinárias da casa, servindo a grandeza do salário à economia pública, não devendo haver salários desproporcionais, sob pena de gerar desemprego, colocando em risco a estabilidade da ordem pública.
Após a Encíclica Quadragesimo Anno, Pio XI apresenta ao mundo outra encíclica, a Divini Redemptoris, de 1937, a qual aborda especificamente a situação do comunismo ateu no mundo. Nesta encíclica Pio XI salienta que a sociedade humana somente poderá ser salva daquilo que ele considera ruína funesta, o princípio do liberalismo, princípios esses alheios à moralidade, quando os preceitos da justiça social e da caridade cristã impregnarem e penetrarem na ordem econômica e o organização civil. (PIO XI, 1937). Em relação à caridade cristã, Pio XI traz que:

[...] quando vemos de um lado uma multidão de indigentes que, por várias causas alheias à sua vontade, estão verdadeiramente oprimidos pela miséria, e do outro lado, junto deles, tantos que se divertem inconsideradamente e esbanjam enormes somas em futilidades, não podemos deixar de reconhecer com dor que não é bem observada a justiça, mas que nem sempre se aprofundou suficientemente o preceito da caridade cristã nem se vive conforme a ele na prática cotidiana. (PIO XI, 1937).

A verdadeira caridade deve observar à justiça, em relação à justiça social, Pio XI afirma que a mesma impõe deveres a que nem patrões nem operários podem furtar, sendo próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum. Todavia:

[...] assim como no organismo vivo não se provê ao todo, se não se dá a cada parte e a cada membro tudo quanto necessitam para exercerem as suas funções; assim também se não pode prover ao organismo social e ao bem de toda a sociedade, se não se dá a cada parte e a cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo quanto necessitam para desempenharem as suas funções sociais. O cumprimento dos deveres da justiça social terá como fruto uma intensa atividade de toda a vida econômica, desenvolvida na tranqüilidade e na ordem, e se mostrará assim a saúde do corpo social, do mesmo modo que a saúde do corpo humano se reconhece pela atividade inalterada, e ao mesmo tempo plena e frutuosa, de todo o organismo. (PIO XI, 1937).

Para a sustentação da justiça social, Pio XI afirma ser fundamental a garantia de um salário que mantenha ao mesmo e toda sua família, prevenindo a pobreza, garantindo o acesso a seguros públicos e privados, sob pena de não se concretizando tais condições não haver que se falar em realização da justiça.
Há que se destacar também a Carta Encíclica Mater et Magistra de João XXIII, datada de 1961, a qual tratou da evolução da questão social à luz da doutrina cristã. Dentre os diversos aspectos analisados pela Mater et Magistra, destaca-se a questão da remuneração do trabalho, a qual é presenciada em diversas nações e continentes inteiros, onde os trabalhadores “recebem um salário que os submete, a eles e às famílias, a condições de vida infra-humanas”. (JOÃO XXII, 1961). Todavia, em alguns desses países, há o contraste entre a abundância e o luxo desenfreado de uns poucos privilegiados e as condições de mal-estar extremo da maioria, havendo também outras nações gastando somas consideráveis com armamentos, ou na tentativa de se reforçar ou manter um mal-entendido prestígio nacional. Além do fato de que:

[...] nos países economicamente desenvolvidos, não é raro que para ofícios pouco absorventes ou de valor discutível, se estabeleçam distribuições ingentes, enquanto que as correspondentes ao trabalho assíduo e profícuo de categorias inteiras de cidadãos honestos e operosos são demasiado reduzidas, insuficientes ou, pelo menos, desproporcionadas com a ajuda que eles prestam à comunidade, ou com o rendimento da respectiva empresa, ou com o rendimento total da economia da nação. (JOÃO XXIII, 1961).

Destarte, é imperiosa uma retribuição do trabalho de acordo com a justiça e a equidade, sendo necessário um salário que dê ao trabalhador um nível de vida verdadeiramente humano e que lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares.
No ano de 1991, o Papa João Paulo II apresenta a Encíclica Centesimus Annus, na qual nos moldes da doutrina social da igreja, faz uma análise do centenário da Rerum Novarum, condenando todos os tipos de totalitarismos existentes no mundo de então. Salientando a situação do mundo às vésperas do século dezenove, época na qual foi escrita a Rerum Novarum, João Paulo II realçou o processo histórico pelo qual passava o mundo, um conjunto de mudanças radicais verificadas no campo político, econômico e social, resultando numa nova concepção de sociedade e de Estado, consequentemente, de autoridade, sendo dissolvida a sociedade tradicional, e iniciando outra, confiante nas novas liberdades. No século dezenove culminou uma nova forma de propriedade, o capital, e uma nova forma de trabalho, o assalariado, caracterizado por pesados ritmos de produção, sem horário nem qualquer atenção ao sexo, idade ou situação familiar, determinado pela eficiência e tendente ao lucro.
Deste modo, o trabalho tornou-se uma mercadoria que podia ser livremente comprada e vendida no mercado, tendo seu preço determinado pela lei da oferta e da procura, sem se ater ao mínimo necessário para o sustento vital da pessoa e de sua família. Tal transformação operou uma divisão da sociedade em duas classes, operadas por um abismo profundo. Neste ambiente, ressalta a Centesimus Annus, “quando aparecia já em plena luz a gravíssima injustiça da realidade social, presente em muitas situações [...], Leão XIII intervém com um Documento, que afrontava de maneira orgânica a questão operária”. (JOÃO PAULO II, 1991).
Analisando o mundo cem anos após a Rerum Novarum, são destacados na encíclica de João Paulo II os acontecimentos do século vinte que marcaram a história da humanidade, especificamente, a Segunda Guerra Mundial e o surgimento e declínio de regimes totalitários, principalmente na Europa. Tendo se difundido, após a Segunda Guerra, um sentimento mais vivo dos direitos humanos, que foi reconhecido em diversos documentos internacionais, originando um novo “direito dos povos” por intermédio da Organização das Nações Unidas.
Em relação à situação de desigualdade social da atual sociedade, João Paulo analisando os excluídos, salienta que:

Muitos outros, embora não estando totalmente marginalizados, vivem inseridos em ambientes onde a luta pelo necessário é absolutamente primária, e vigoram ainda as regras do capitalismo original, na «crueldade» de uma situação que nada fica a dever à dos momentos mais negros da primeira fase da industrialização. (JOÃO PAULO II, 1991).

Vivendo em tal situação a maioria dos habitantes do Terceiro Mundo, sendo estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por ela oprimidos.

Além disso, é necessário que estes homens carenciados sejam ajudados a adquirir os conhecimentos, a entrar no círculo de relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor valorizar as suas capacidades e recursos. Ainda antes da lógica da comercialização dos valores equivalentes e das formas de justiça, que lhe são próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, com base na sua eminente dignidade. Esse algo que é devido comporta inseparavelmente a possibilidade de sobreviver e de dar um contributo ativo para o bem comum da humanidade. (JOÃO PAULO II, 1991).

Em relação ao valor da democracia, somente é possível concretizá-la num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana, devendo ser verificadas as condições necessárias à promoção, seja dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, seja da subjetividade da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade.
Com a queda do totalitarismo comunista de outros regimes totalitários e de segurança nacional, o mundo vive atualmente o ideal democrático concatenado com a preocupação com os direitos humanos. Assim sendo, “é necessário que os povos, que estão reformando os seus regimes, dêem à democracia um autêntico e sólido fundamento mediante o reconhecimento explícito dos referidos direitos”. (JOÃO PAULO II, 1991). Dentre tais direitos, salientem-se: o direito à vida, o direito a participar no trabalho para valorizar os bens da terra e a obter dele o sustento próprio e dos seus familiares.
Todavia, nos países onde vigoram formas de governo democrático, nem sempre estes direitos são totalmente respeitados. Tratando-se de diversos aspectos de uma crise dos sistemas democráticos, que às vezes parecem ter perdido a capacidade de decidir segundo o bem comum. As questões levantadas pela sociedade não são examinadas à luz dos critérios de justiça e moralidade, mas antes na base da força eleitoral ou financeira dos grupos que as apóiam. Semelhantes desvios da prática política geram, com o tempo, desconfiança e apatia e consequentemente diminuição da participação política e do espírito cívico da população, que se sente prejudicada e desiludida.
Resultado disso é a crescente incapacidade de enquadrar os interesses particulares numa coerente visão do bem comum. Tal bem não é efetivamente a mera soma dos interesses particulares, mas implica a sua avaliação e composição feita com base numa equilibrada hierarquia de valores e, em última análise, numa correta compreensão da dignidade e dos direitos da pessoa. (JOÃO PAULO II, 1991).
Assim, já no século vinte e um, percebe-se que, mesmo com um postulado de defesa da dignidade e dos direitos da pessoa humana protegidos pelo pensamento social da Igreja Católcia, ainda há muito por se fazer na construção de uma sociedade mais justa, onde justiça distributiva se defina no seu conceito moderno.

CONCLUSÃO


Com um breve esboço acerca da noção de justiça distributiva no pensamento cristão contemporâneo, demonstra-se o importante papel das mesmas na construção do conceito moderno de justiça distributiva, principalmente no que se refere à inclusão dos necessitados como merecedores de prestações estatais, solidificando o aspecto necessidade como balizador da distribuição de bens por parte do Estado. Depreende-se da observação desses documentos a preocupação com o elemento humano na distribuição de bens e oportunidades por parte da sociedade como um todo, transferindo integralmente o foco da distribuição dos méritos para a necessidade humana, tendo em vista a realidade em que vive o mundo contemporâneo, mundo esse onde impera injustiça e desigualdade social em diversos aspectos, o que somente se modificará por intermédio de medidas políticas, culturais e sociais efetivas de respeito à dignidade da pessoa humana e em concordância com os postulados do princípio da solidariedade humana.


REFERÊNCIAS



ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

JOÃO PAULO II. Encíclica Centesimus annus. 1991. Disponível em . Acesso em 25 mar. 2009.

JOÃO XXIII. Encíclica Mater et magistra. 1961. Disponível em . Acesso em 16 mar. 2009.

LEÃO XIII. Encíclica Rerum novarum. 1891. Disponível em . Acesso em 15 mar. 2009.

MARITAIN, Jacques. Introdução geral à filosofia. 6. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1963.

PIO XI. Encíclica Divini redemptoris. 1937. Disponível em . Acesso em 21 mar. 2009.
PIO XI. Encíclica Quadragesimo anno. 1931. Disponível em . Acesso em 10 mar. 2009.


[1] Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Gama Filho; Professor no Curso de Direito da Faculdade Asa; Advogado.
[2] Mestranda em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[3] Em latim Rerum Novarum significa "Das Coisas Novas".
[4] O nome se deve ao fato de essa encíclica abordar os quarenta anos da Encíclica Rerum Novarum, apresentada no ano de 1891 pelo Papa Leão XIII. A Rerum Novarum é considerada por Pio XI a Magna Charta dos operários, prevendo diversas alterações no campo social.